A dentista de Pedro tem uma sala de espera repleta de brinquedos para as crianças não ficarem entediadas como eu ficava com a hora que o meu ortodentista inevitavelmente obrigava seus pacientes a gastar na sala de espera. Médicos, dentistas e companhias aéreas não têm a menor consideração com o tempo dos outros. No teto, um monte de bonecos enfeita o ambiente. Wandréa comentou que havia novos bonecos, os personagens do filme de Valente.
Aí eu reparei em um monte de outros bonecos cuja significância também me é nula. Ariel e outros personagens da Pequena Sereia. Bela e outros personagens da Bela e a Fera. Branca de Neve... Não... Branca de Neve me desperta um sentimento de afeição.
Este é o ponto: no meu tempo de criança, não havia toda esta quantidade de desenhos. Branca de Neve foi filmado em 1937. Era um desenho atual na época da minha mãe e era um desenho atual na minha época mas Henrique e Pedro provavelmente nem conhecem a sua história. Antigamente, desenhos animados demoravam uma eternidade para serem lançados. Analisando a filmografia dos estúdios Disney, observamos que foram lançados, em termos de desenhos animados:
- 1 na década de 1930;
- 5 na década de 1940;
- 5 na década de 1950;
- 3 na década de 1960;
- 4 na década de 1970;
- 4 na década de 1980;
- 15 na década de 1990, incluindo os lançamentos da Pixar;
- 28 na década de 2000;
- 12 até o momento na década de 2010;
O pior é constatar que este ciclo não está restrito apenas aos filmes. Todos os tipos de bens de consumo estão sujeitos à necessidade de reinvenção de seus produtos cujo objetivo não é torná-los melhores, apenas tornar os atuais obsoletos e catalisar um novo ciclo de consumo. Roupas, carros, sapatos, bicicletas, celulares, tênis de corrida, monitores cardíacos. Todo o ano surge uma novidade revolucionária e indispensável. Pessoas fazem fila na porta das lojas para serem os primeiros a adquiri-las pelo simples prazer de serem os primeiros, gerando lucro para quem vende e lixo para a sociedade, já que quem vende não é obrigado a recolher a incrível quantidade de produtos obsoletos gerados. Quando são, simplesmente os enviam para algum país africano que esteja disposto a servir de depósito de lixo desta sociedade de consumo.
Muitas vezes, a única função de um produto é ser comprado. Você consegue imaginar alguém que tenha superfície corporal suficiente para utilizar todos os perfumes do Boticário que recebe antes da data de validade expirar? Eles não existem para serem usados, apenas para lembrar que você foi sorteado por alguém no amigo oculto do trabalho. Ou uma criança que tenha capacidade de brincar simultaneamente com os 3 bonecos diferentes do Max Steel que recebeu de presente na sua festa de aniversário? Está chegando o momento em que o consumo vai acabar matando a si próprio. Pedro não demorou 30 minutos brincando com a montanha de presentes que recebeu antes de disputar o computador com o irmão e conosco. Ele realmente não se importou.
A quantidade de brinquedos que ganhou não lhe faz a menor diferença pois, sendo francos, as crianças de hoje perderam a capacidade de brincar. Meus filhos passam semanas sem tocar em qualquer brinquedo que não seja o computador, o videogame ou o iPhone da mamãe. Os brinquedos representam apenas uma forma de acumulação de capital. Quando me perguntam o que meu filho gostaria de ganhar de presente, respondo que nada. Mesmo que ele brincasse, já possui muito mais brinquedos do que a capacidade de uma criança brincar em toda a sua infância. É uma triste geração ensinada a consumir o que não precisa e expressar sua imaginação apenas em blocos de Minecraft.
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