Para revivê-la, eram necessárias 100 assinaturas de moradores já que não havia prefeito ou conselho comunitário para convocar uma assembléia. As assinaturas foram colhidas mas, na hora e local combinados, uma dúzia de gatos pingados resolveu enfrentar o frio, a chuva e sair da toca para eleger uma nova gestão. O novo prefeito já estava definido a priori. Foi ele que teve a iniciativa de convocar e conduzir a assembléia. Um morador alegou que estavam colocando os carros na frente dos bois, que era necessário primeiro levantar as queixas da comunidade antes de se pensar em criar a prefeitura. Depois de um pequeno debate, a a chapa única foi colocada em votação e aprovada por ampla maioria.
Não adianta botar polícia. Um lugar só se torna seguro quando as pessoas o ocupam. As ruas brasileiras sempre foram considerados locais hostis que só devem ser utilizados como meio de transporte de um ponto ao outro. De preferência dentro de um carro, onde pode-se isolar ainda mais do contato com a ameaça representada pelas outras pessoas. Esse tipo de mentalidade, porém, gera um dilema de tostines: a rua é hostil porque não é ocupada e não é ocupada porque é hostil. Todos concordam que é necessário criar condições para que os moradores voltem a ocupar a quadra. Vamos organizar torneios esportivos, fazer uma festa junina, nos reunirmos nos fins de semana? Vamos!! Êêêê!!
Segundo ponto da pauta: o Galinho de Brasília. Ele se concentra no Setor de Autarquias Sul, ao lado da quadra e o relato do novo prefeito mas parecia o de um bacanal. Drogas à vontade. Sexo explícito debaixo dos blocos. Vendedores ambulantes vendendo cerveja para menores. Fiquei até com remorsos de ter viajado. Para resolver o problema, foi passado um abaixo assinado para ser entregue na administração regional solicitando que o bloco vá se concentrar bem longe dali. Que o bloco vá se concentrar no Parque da Cidade, na L4, na Esplanada dos Ministérios, na puta que o pariu. Qualquer lugar menos na SQS 402.
Passei o carnaval do ano passado em Brasília. Não só fui para o bloco como também levei meu filho. Olhei para a multidão, se divertindo pacificamente e comentei emocionado com ele:
- Olha Henrique. Hoje a rua não é dos carros. Hoje a rua é das pessoas.
Choveu e nós nos abrigamos com os foliões embaixo do Bloco E. Resolvemos voltar para casa debaixo da chuva e fingíamos estar abrindo caminho com as mãos pela tempestade. Foi um dia especial e eu não estava acreditando que as pessoas pudessem ser tão intransigentes a ponto de acabar com a diversão de um número muito maior de foliões apenas para manter a quadra relegada ao abandono todos os dias do ano, inclusive no carnaval. Me inscrevi para falar e encerrei minha carreira política no ato:
- Olha só. Eu não concordo com esse abaixo assinado, não. Acho que ele é completamente contraditório com a ideia que a gente tava discutindo, de ocupar a quadra.
- Na realidade, acho que o carnaval é o único momento em que essa quadra é realmente ocupado pela população.
- Nossa grama é aparada pelo poder público, que também varre nossa quadra. Em troca, tudo o que temos que ceder é nossa tranquilidade em duas noites por ano.
- Se tem excessos, acho que a gente tem que reivindicar que eles sejam combatidos. Vamos pedir para o Detran sair canetando os carros que param em lugar proibido e impedem que os moradores possam sair de casa. Vamos pedir para a polícia autuar quem tá consumindo drogas ou transando em lugar público.
- Transferir o carnaval, porém, não resolve o problema. O que estamos pedindo, na verdade, é que o problema seja jogado no colo dos moradores de outras quadras. Estamos apenas tirando o sofá da sala.
- Temos que lembrar que essa quadra não é um condomínio. Ela é um lugar público.
- Essa iniciativa me parece apenas uma forma disfarçada de determinar quem pode e quem não pode frequentar a quadra. Daqui a pouco vamos pedir carteirinha para permitir que as pessoas transitem pela quadra.
- Na realidade, acho que o carnaval é o único momento em que essa quadra é realmente ocupado pela população.
- Nossa grama é aparada pelo poder público, que também varre nossa quadra. Em troca, tudo o que temos que ceder é nossa tranquilidade em duas noites por ano.
- Se tem excessos, acho que a gente tem que reivindicar que eles sejam combatidos. Vamos pedir para o Detran sair canetando os carros que param em lugar proibido e impedem que os moradores possam sair de casa. Vamos pedir para a polícia autuar quem tá consumindo drogas ou transando em lugar público.
- Transferir o carnaval, porém, não resolve o problema. O que estamos pedindo, na verdade, é que o problema seja jogado no colo dos moradores de outras quadras. Estamos apenas tirando o sofá da sala.
- Temos que lembrar que essa quadra não é um condomínio. Ela é um lugar público.
- Essa iniciativa me parece apenas uma forma disfarçada de determinar quem pode e quem não pode frequentar a quadra. Daqui a pouco vamos pedir carteirinha para permitir que as pessoas transitem pela quadra.
Olhei ao redor e dava até para ouvir os grilos. Um rapaz levantou a mão e pediu a palavra:
- Gostaria de deixar registrado que eu concordo com ele.
Ufa. Não vou ser trucidado sozinho. Ele se levantou e foi embora. Fudeu.
Me lembrei do que li em um post de um blog chamado Quadrado Brasília
"Quando, em uma rara iniciativa, o governo concede infraestrutura mínima de diversão pública na orla, os moradores incomodados com o barulho acreditam que a solução não é mitigar os problemas, não é negociar formas de reduzir os excessos, se eles existirem: é proibir, fechar, cercar. Acho que precisamos aprender, do zero, a viver em comunidade. Para isso, é preciso, de um lado, reconhecer e corrigir os problemas. Do outro, acordar do sonho em que vivemos naquela fazenda, naquele retiro espiritual, e perceber que, sim, moramos numa cidade. E que ela não é só sua."Com uma abstenção e meu voto contrário, o abaixo assinado foi aprovado. Espero que, se passar o carnaval em Brasília ano que vem, possar desfrutar do Galinho passando pela minha quadra.
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