Acordamos, tomamos um café da manhã rápido no quarto e fomos para a largada da corrida, em frente a La Moneda. Estava escuro, frio e enevoado. O fuso horário do Chile parece estar em desacordo com a sua longitude. É igual ao de Brasília quando parece que deveria ser 1 ou 2 horas a menos. Por isso, 7:30 da manhã ainda é noite e 7:00 da tarde ainda é dia, mesmo fora do horário de verão.
Combinamos de nos encontrarmos depois da corrida e nos separamos. Consegui um lugar lá na frente e me convenci que correr a 4'50"/km, o que daria um tempo total de 3:24:00. Não seria nenhuma Brastemp mas, dada a preparação para a prova - apenas um longão de 27 km no fim de semana anterior - almejar algo mais seria pretensioso demais.
Observamos um minuto de silêncio em memória das vítimas do terremoto na região norte do Chile. Silêncio absoluto. O locutor chamou o Ceacheí, o grito de guerra chileno cantado animadamente pelos corredores locais. Por estar posicionado lá na frente, consegui enxergar os corredores da elite não muito distante.
A largada é dada em uma leve descida. O Garmin não estava configurado para dar as parciais a cada quilômetro e, por isso, tive que configurá-lo, depois de passar pela placa do primeiro quilômetro e perceber que ele não havia apitado. 4:41 min/km, era mais rápido do que eu estava imaginando fazer mas estava me sentindo bem e o clima estava perfeito para correr. Pressionei o botão de "lap" manualmente ao passar pela placa do quilômetro 2 e, a partir daí, deixei o cronômetro fazer seu trabalho. À medida que os quilômetros iam passando, eu ia mantendo o ritmo, em torno de 4:30 min/km. Eu não tava acreditando no quão facilmente eles estavam fluindo e, então, não me importei em diminuir o ritmo.
Um pouco depois dos 4,5 km, na rua Gral Rondizzoni, o relevo deixa de ser plano para se iniciar uma subida que dura até perto do km 15. São 83m de subida em 9,8 km. As pistas estavam interrompidas e os motoristas esperavam resignadamente que fossem liberadas. Havia um carabinero em cada um dos cruzamentos ao longo do percurso. Com um bloco de multas nas mãos, estava a postos para multar quem ameaçasse avançar sobre os corredores. Imagino a angústia do primeiro da fila, ao perceber que se tivesse saído 10 segundos mais cedo de casa, teria economizado horas de espera no trânsito. Também havia voluntários com bandeiras para supostamente nos animar. Ficavam grintando:
- Ânimo, ânimo, ânimo.
À medida que a prova ia se desenrolando, o ânimo dos animadores ia desanimando e uma animadora estava tão jururu que eu gritei para ela:
- Ânimo, ânimo, ânimo.
Há gente em praticamente todo o percurso. Várias crianças estendiam a mão e eu fazia questão de cumprimentá-las sempre que via uma mãozinha acenando.
Passei pelo quilômetro 10 com 45'18". Isto dá um pace de 4'32"/km que, se considerada a distância total da maratona, daria um excelente tempo (para mim) de 3h10'35". Seria a minha melhor maratona. Subimos até Los Leones, no km 15. Ali os percursos da meia e da maratona se separavam e a gente pegou uma descida até o 19,5km. Passei pelo quilômetro 20 com 1h30'40". O pace se mantinha em 4'32"/km. Subida pelos próximos 12,5km. Quase 100m de subida. Entramos na Américo Vespucio. Uma placa anunciava que pelos próximos 9 km a rua era nossa. Agora as pernas começavam a dar sinal de fadiga.
Estava preparado mentalmente para encerrar a prova no km 32. Achava que se chegasse até ali, o restante do percurso fluiria naturalmente, já que era completamente em descida. Só que quando cheguei em 31,5 km, o acúmulo de ácido lático deixava cada passada insuportável de dor. Parei para alongar e esse foi o erro fatal. Dali em diante, a dor me impedia de correr e eu conseguia, no máximo, trotar. Uma pena pois o pace estava em 4'37"/km e, neste ritmo, ainda conseguiria bater meu recorde pessoal.
As pessoas ainda tentavam me incentivar a voltar para a prova mas qualquer tentativa resultava em mais dor. Tinha me sentido assim quando fiz a ultra-maratona de Nova Friburgo que, a partir do quilômetro 30, cada passada era uma marretada na coxa. Fui me arrastando até o km 34 onde tinha um posto médico. Me perguntaram se eu estava bem. Não. Não estava. Fizeram massagem na minha perna e quando estiquei a perna um princípio de câimbra se insinuou. Tomei um anti-inflamatório que, obviamente, não teve nenhum resultado imediato. Fui andando até encontrar a torre do Costanera Center, um shopping enorme com uma torre de mais de 70 andares. Em um país em que os terremotos são frequentes. Perguntei a mim mesmo quem eu estava tentando enganar e parei o cronômetro. Fim de prova para o Max. Encontrei um rapaz numa bicicleta e perguntei-lhe se ele morava em Santiago.
- Si, por supuesto.
- Sabes onde tienes un metrô?
- Un métro?
- Si.
Ele me indicou a direção e eu fui para lá, preocupado em não me demorar muito para não deixar Wandréa esperando. Um taxista deixava os passageiros e eu perguntei se ele me deixaria em La Moneda. Ele disse-me que não. Estava tudo fechado e ele teria que dar muitas voltas para chegar lá. Disse-me para pegar o metrô e se ofereceu para me deixar na próxima estação. Quando perguntei-lhe quanto devia, disse-me para não me incomodar com isso.
Tirei os $200.000 estrategicamente escondidos na palmilha do tênis e peguei o metrô rumo à Universidad de Chile. Fui andando até a chegada, procurando sem sucesso por uma menina loira de camisa verde. Depois de quase meia hora procurando-a na multidão, resolvi voltar para o hotel. Encontrei o pessoal da equipe na esquina da Serrano com a Bernardo O'Higgins e perguntei por Wandréa. Ela já havia voltado para o hotel. Ufa. Me perguntaram como fora a prova e eu disse que não havia sido, que havia quebrado no km 32.
Desistir de uma prova é sempre frustrante mas, desta vez, fiquei até feliz com o quanto consegui correr. Imprevistos me impediram de me preparar para a prova. Ainda assim, consegui correr num bom ritmo até o ácido lático cobrar seu preço. A capacidade cardiorrespiratória estava em dia, mas a parte muscular estava aquém do necessário para fazer uma prova desta distância. Fiquei apenas na dúvida se volto a correr uma maratona. Fico com a impressão que será difícil conciliar uma preparação adequada com a natação e a bicicleta e, sinceramente, não estou com vontade de deixar de fazer nenhuma dessas atividades. Talvez use as meia-maratonas como pretexto para viajar por aí.
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