A copa das copas

A realidade é dura. Nos coloca no nosso devido lugar. Cabe-nos esfriar a cabeça e refletir sobre a avalanche e a humilhação que se abateu sobre nós.

Até então, a Copa era um sucesso. Conseguimos varrer providencialmente a sujeira para debaixo do tapete. Exibíamos o nível técnico e a boa impressão dos turistas como evidência da nossa competência. A Copa cumpria o seu papel de mostrar o Brasil grande, capaz de organizar não apenas o torneio mais importante do futebol mundial, mas o melhor de todos os já realizados até agora. Era a resposta aos pessimistas de plantão - coxinhas e anti patriotas - que previram o caos e o desastre. Nosso time estava no mesmo nível dos demais e o hexa deixara de ser uma possibilidade para se tornar uma obrigação. Organizamos a copa das copas e ela ia ficar aqui.


Só que não. Fomos avançando aos trancos e barrancos com nosso fantástico esquema 0-0-1. Quando nossa estrela solitária se machucou, fomos forçados a uma alteração tática. Passamos a jogar no 0-0-0. A experiência nos mostra que podemos até ganhar um ou outro jogo com esses esquemas. Também nos mostra que não se ganha torneios com eles.

Fomos humilhados. Esfriamos a cabeça com um arrastão na Fan Fest de Copacabana. Ou agredindo torcedores rivais. Aí soubemos que mais um jornalista estrangeiro foi vítima da epidemia que mata 55.000 brasileiros por ano. Morreu num acidente de trânsito no qual o táxi em que viajava foi abalroado por um carro envolvido numa perseguição policial. Queimamos a bandeira nacional e mais 29 ônibus de lambuja. Voltamos a ser quem sempre fomos. Com um pouquinho mais de sorte, a copa termina antes que o encanto se quebre por completo e viremos abóbora.

Pode ter sido a copa das copas em termos de futebol ofensivo e média de gols mas, tirando a contribuição que demos na semifinal pouco pode ser creditado na nossa conta. Os estádios ficaram prontos a tempo? Ficaram. Honestamente, eles seriam declarados prontos mesmo que não estivessem como, realmente, alguns não estavam. A Arena da Baixada foi entregue à FIFA menos de um mês antes da Copa, inacabado. O mesmo aconteceu com o Itaquerão. A Arena das Dunas só foi receber o alvará do Corpo de Bombeiros depois do primeiro jogo da Copa. Não me parece que podemos apregoar competência, principalmente quando se leva em conta que tivemos 7 anos para nos prepararmos, tempo que jamais outro país tivera até então.

As obras de mobilidade, anunciadas como o grande legado desta Copa, simplesmente não ficaram prontas. Retirava-se do caderno de encargos aquelas que sabidamente tinham ido para o brejo. Mais tarde, para não ficarmos com o caderno em branco, nos convencemos que não havia nada demais em entregar as obras programadas para a Copa depois da Copa. Entregamos metade delas. Quem passa pelo aeroporto de Brasília, privatizado, pode observar tapumes espalhados por todo o local. Uma das novas alas ainda não está operacional. O teto da sala de bagagem está sem acabamento. E essa foi uma das obras tidas como entregues. O desabamento do viaduto em Belo Horizonte, obra prevista para a Copa, resume nossa preparação: fora do prazo, fora do orçamento, mal feita.

Por causa da nossa crônica incapacidade de cumprir prazos e metas, tivemos que apelar. Tivemos que mudar o calendário escolar para as férias coincidissem com a Copa. Tivemos que decretar feriado nos dias de jogos para que a torcida pudesse chegar aos estádios. Até agora deu certo. Temos que admitir que tivemos uma boa dose de sorte. O perigo é acharmos que este é o caminho certo. Seja por convicção, seja por falta de autocrítica, o trilhamos sistematicamente. Ele leva ao improviso, ao jeitinho, ao estouro do orçamento, ao desperdício, à corrupção, ao descumprimento de promessas, à falta de visão de futuro.

Só que assim como insistimos sempre nos mesmos erros, também desperdiçamos as oportunidades que surgem para reconhecê-los. Quando percebemos que não vamos arruinar os eventos, passamos a bravatear que nós somos os fodões, que o mundo deve se curvar ao modo brasileiro de ser pois o mundo inteiro está errado. É essa a postura de nosso ex-presidente, quem bancou a realização da copa e das olimpíadas em solo brasileiro, e da atual presidente.

Quem levanta a voz em contrário é cruelmente ridicularizado. Sofre bullying. Foi o que aconteceu com o Ronaldo Fenômeno que deu a cara a tapa quando o governo precisou e disse que "sediar a copa tinha sido uma escolha do povo brasileiro e que infelizmente não se faz copa com hospitais" - o que é a mais pura realidade. Quando a gravação, numa edição desonesta que deixou de fora a primeira parte da frase, se tornou viral no auge dos protestos de 2013, ninguém veio em seu auxílio. Deixaram ele sofrer o desgaste sozinho já que dividia o foco da insatisfação popular.

Mais tarde, quando expressou sua preocupação que a copa fosse um fiasco, o "partido dos blogueiros chapa-branca que trabalharam para a Rede Globo e agora ganham a vida falando mal dela" partiram para o ataque, ridicularizando todas as situações, presentes e passadas, vividas pelo ex-jogador. Chegaram a comemorar quando o Klose igualou o seu recorde de gols em mundiais. Afinal, somos todos brasileiros desde que todos pensem como nós.

Não ajuda muito, também, a postura da oposição e da mídia tradicional que tenta passar a imagem que os problemas ocorridos eram de culpa única e exclusiva do governo federal. Tando a imagem governista que estamos vivendo a copa das copas porque foi organizada pelo PT, quanto a imagem oposicionistas que estamos vivendo a copa da roubalheira porque foi organizada pelo PT são falsas, infantis, reducionistas e pouco contribuem nossa melhora. Não faria qualquer diferença, tanto em relação ao que deu certo quanto em relação ao que nem tanto, caso fôssemos governados pelo PSDB, DEM, PFL, PSTU, PCO ou qualquer outro "partido" político.

Aconteceu assim porque somos assim. É de nossa índole deixar tudo para última hora, assim como é de nossa índole reagirmos com extrema docilidade quando estamos satisfeitos e com extrema violência quando somos contrariados. Duvida?

Em 2007 tivemos os Jogos Panamericanos no Rio de Janeiro, organizados pelo César Maia, prefeito pelo então PFL, atual DEM. Venderam-nos a mesma ilusão de que tratava-se mais do que um evento. Era uma oportunidade única de alavancar a infraestrutura da cidade e os gastos com a organização do evento seriam pagos com sobra com o legado em obras de mobilidade. 7 anos depois, o legado palpável resume-se praticamente a um estádio com risco de desabamento. O custo excedeu em mais de 3 vezes o orçamento inicial. O prazo de entrega das instalações foi adiado 3 vezes. As obras de mobilidade ser resumiram à pintura de faixas para delimitar corredores exclusivos para as delegações. O Maracanã foi completamente reformado. Não foi a reforma definitiva já que ele precisou ser reformado novamente para a copa. Também não será a reforma definitiva, já que uma nova adequação está programada para as Olimpíadas de 2016.

Um velódromo foi construído para mais tarde ser demolido. Não atendia às regras oficiais da UCI e a adequação seria mais cara do que a sua reconstrução, informação veementemente negada por diversas fontes. Admitindo que fosse verdade, a candidatura do Rio de Janeiro era uma aspiração de longa data que, cedo ou tarde, seria aceita. Por que não pensar a longo prazo e fazer um velódromo naquela época que pudesse ser utilizado em ambos os eventos?

O maior legado do Pan, no final das contas, foi o Estádio Olímpico João Havelange, repassado à administração do Botafogo a preço de banana, por pura falta de interessados. Em 2013, a cobertura do teto começou a ruir tal qual a reputação daquele que batizou o estádio.

Temos a tendência de imaginar que a derrota para o Uruguai foi a única coisa que deu errado na copa de 1950, mas uma pesquisa rápida mostra que não foi bem assim. O orçamento também foi estourado. O Maracanã, palco da tragédia que depois do 08 de julho já nem parece tão trágica assim, não ficou pronto a tempo. As fotos abaixo mostram que a inauguração do estádio e a estreia do Brasil na copa, contra o México, aconteceram com andaimes de madeira sustentando a cobertura inacabada do estádio.

Inauguração do Maracanã. (Fonte: http://cariocadorio.wordpress.com/2009/11/11/o-estadio-municipal/)

Estreia do Brasil contra o México em 1950. (Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/esporte/maracana-abre-as-portas-ainda-em-obras-como-em-1950)

Agora, tenta-se capitalizar em cima da organização de um evento cuja preparação foi um exemplo ao mundo de como não se faz, embora façamos rotineiramente. Apresenta-se a organização como um exemplo de competência, o que ela certamente não foi. O fato dele não ter sido o desastre previsto, não significa que ele tenha sido um sucesso retumbante. Aliás, só foi a Copa das Copas porque a situação se descortinava tão ruim que o nível de expectativa baixou miseravelmente. O pessimismo generalizado foi um dos maiores responsáveis pelo sucesso do torneio.


A #copadascopas. Por nosso mérito?

Daqui a dois anos tem Olimpíadas, mais um fruto da megalomania vigente na época da escolha do Rio de Janeiro como cidade sede. Vai custar R$ 36,7 bilhões. Quem quer apostar que este orçamento vai ser ultrapassado algumas vezes? Para variar um pouco, estamos atrasados como nunca antes na história dos jogos. Atenas, considerada a pior preparação até então, estava com 40% da infraestrutura a 2 anos do evento. Nós temos 10. Corremos o risco de acharmos que se funcionou na Copa, vai funcionar nas Olimpíadas também. Da mesma forma que achamos que podíamos jogar de igual para igual com qualquer seleção do mundo e fomos massacrados.

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