O pedreiro que se espantou ao saber que havia apenas um computador compartilhado por todos lá em casa. Ele havia comprado um para cada filho e eles passavam tanto tempo na frente deles que o pobre homem não conseguia acessar seus e-mails. Ele não se incomodava. Mora numa daquelas áreas em que o poder público pouco se faz presente, invisível às lentes dos jornais e do imaginário coletivo. Onde a vida vale menos e a polícia só aparece para levar alguém no grampo.
O tempo que as crianças passam na frente do computador, iPad, XBox, TV e outras distrações eletrônicas é uma das minhas maiores preocupações como pai e a maior fonte de conflito familiar. Ativo o controle de pais de todos os dispositivos que posso e tenho a esperança de um dia encontrar uma forma de limitar o uso de todos os eletrônicos em 2 horas diárias. Gostaria que o tempo que eles passam na frente do computador fosse gasto na rua, dentre outras coisa, jogando bola com outras crianças, uma realidade que hoje me parece cada vez mais improvável não só pelo poder de atração exercido pelos gadgets, mas também pela impossibilidade de se deixar uma criança livre no ambiente hostil que se tornaram as áreas públicas das cidades brasileiras.
Minhas janelas estão isoladas de cima a baixo pelas grades do condomínio que são para trazer proteção mas também trazem a dúvida se sou eu que estou nesta prisão. As crianças ficam presas do lado de dentro e os ladrões - espero - do lado de fora. Tanto para as minhas quanto para as do pedreiro, o computador suprime a tentação de fugir de casa para se divertir lá embaixo. A quadra poliesportiva da quadra é um deserto povoado somente quando os pais têm disponibilidade de acompanhar seus filhos ou quando as babás levam as crianças para tomar de sol. Como tanto a disponibilidade dos pais quanto a contratação de babás está se tornando cada vez mais improvável, a perspectivas é a quadra passar cada vez mais tempo vazia. Pelo depoimento do pedreiro, é um fenômeno que também está ocorrendo nas periferias e os reflexos vão além da criação de uma geração cujo contato entre as pessoas não se dá mais no mundo físico, mas no Whatsapp e no Facebook.
A violência, a acensão econômica da periferia e a falta de uma política de incentivo à prática de esportes terá efeitos severos em nossa sociedade. Estamos a um passo de uma epidemia de obesidade causada pelo sedentarismo. Não tenho dados concretos mas temo que esteja em curso uma elitização da prática de esportes. Temo que, em breve, as crianças que pratiquem futebol sejam somente aquelas matriculadas nas escolinhas dos clubes para preencher o tempo livre. Temo que os únicos que pratiquem o atletismo sejam aqueles que participem de um clube de corrida.
O lado positivo deste fenômeno, caso confirmado, seria a constatação que o futebol deixou de ser a única perspectiva para os jovens da periferia. Sinal de que as políticas públicas implantadas nos últimos 20 anos deram resultado. O outro lado é que podemos dar adeus às esperanças de um dia voltarmos a ser uma potência mundial como não somos em nenhum outro esporte onde a revelação de novos talentos está condicionada à uma política de formação de atletas. Até agora, limitávamos a recolher os atletas que brotavam espontaneamente nos "campos de várzea". Outros países estão num patamar superior e formam seus jogadores, como formam seus corredores, seus nadadores, seus ciclistas.
Ou criamos uma política séria de formação de jogadores ou nos contentamos, a exemplo do Uruguai, a nos tornarmos um coadjuvante que um dia já foi protagonista no mundo do futebol. É mais ou menos o que ocorreu com o ciclo da borracha, encerrado quando as sementes de seringueira foram contrabandeadas e utilizadas em plantações no oriente. Com a diferença que nossas seringueiras estão se tornando cada vez mais raras. A goleada da Alemanha decretou o fim do ciclo do futebol no Brasil.
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