Não tenho muita esperança que as pessoas a quem eu gostaria que os olhos se abrissem leiam a tradução que fiz da transcrição da entrevista concedida por Henry Siegman ao site Democracy Now. São tempos onde todos entendem de tudo. Suas opiniões já estão solidificadas. Não por terem se informado ou refletido sobre os assuntos que entendem, mas pelas manchetes compartilhadas por aqueles que escolheram se aliar ideologicamente. Percebi isso mais recentemente pelo alarde feito em cima do crescimento patrimonial de 1.200% da deputada Manuela D'Ávila do PCdoB. Se tivessem lido o primeiro parágrafo da nota, teriam observado que ele representou, em termos absolutos, R$ 170.000,00. Se tivessem sacado a calculadora, teriam percebido que, para quem ganhou cerca de R$ 1.000.000,00 líquidos de salário nos últimos 4 anos, descontado Imposto de Renda e Previdência Social, trata-se de uma economia de 17%. Deveriam questionar é se alguém que recebe 17, 18 mil reais por mês e não tem que bancar sua própria moradia, não deveria ter tido um crescimento ainda maior do que o declarado à Justiça Eleitoral.
É uma pena. Gostaria que pudessem ter a oportunidade de perceber que toda a história tem dois lados e que, por mais que nosso viés de confirmação impeça uma dose de empatia com o outro lado, talvez os argumentos do outro lado não pareçam mais tão absurdos quando proferidos por alguém que instintivamente julgamos estar deste lado.
O Estado de Israel está massacrando os palestinos. Isto é fato. É difícil manter esse número atualizado dada a rapidez com que ele cresce mas, em 31/07/2014, indicavam 1.349 mortos, mais de 7.500 feridos, a maior parte de civis, inclusive mulheres e crianças. Israel já bombardeou 2 escolas da ONU que serviam de abrigo aos desabrigados criados por ele próprio quando "humanitariamente" comunicou-lhes para deixarem suas casas para que elas pudessem ser demolidas à bomba.
No Memorial do Holocausto, em Berlim, pesquisei meu sobrenome, "Wolosker", entre as vítimas do nazismo. Contei mais nomes do que os que conheci em vida. O Estado de Israel se auto-intitulou o representante de seu martírio e sob esta égide, todos os seus atos são justificados. O que ele faz com os palestinos desde a sua fundação, porém, não é muito diferente do destino reservado às vítimas do Holocausto. Gaza é um gueto. Os Palestinos são cidadãos de segunda classe e a vida deles, descartável. Não posso me calar quando vejo que o martírio de minha família está sendo utilizado como pretexto para o martírio de outras famílias cujo único pecado é ser "Árabe", da mesma forma que ser "Judeu" era o único pecado dos meus. Conspurca a memória deles. Banaliza suas mortes.
Como Henry Siegman diz em sua entrevista sobre o Holocausto, "a grande lição do Holocausto é que pessoas decentes, pessoas cultas, pessoas que, de outra forma consideraríamos pessoas boas, puderam permitir que tal mal prevalecesse". É precisamente isto que acontece no momento. O mundo assiste passivamente Israel matando crianças. Como disse Roger Cohen, "Nenhum argumento justifica o fracasso que a morte de tantas crianças representa". Todos deveríamos levantar nossas vozes mas, em especial, nós, judeus e descendentes, sob a pena da história vir a julgar a nossa trajetória como banal, uma vez que passamos a aplicar pouco depois, os mesmos métodos que utilizaram contra nós. Henry Siegman parece ter esta ideia. Se assim o for, eu compartilho dela.
Tradução do artigo original
Dado o seu passado, o que Henry Siegman, líder judeu americano, tem a dizer sobre a fundação de Israel, em 1948, através da agressão atual em Gaza pode surpreendê-lo. De 1978 a 1994, Siegman atuou como diretor executivo do American Jewish Congress, usualmente descrito como uma das "três grandes" organizações judaicas do país, juntamente com o Comitê Judaico Americano e a Liga Anti-Difamação. Nascido na Alemanha três anos antes dos nazistas chegarem ao poder em 1933, a família de Siegman acabou se mudando para os Estados Unidos. Seu pai era um líder do movimento Sionista europeu que pressionava para a criação de um Estado judeu. Em Nova York, Siegman estudou a religião e foi ordenado como um rabino ortodoxo por Yeshiva Torah Vodaas, mais tarde tornando-se chefe do Conselho de Sinagogas da América. Depois de sua atuação no American Jewish Congress, Siegman tornou-se um membro sênior no Conselho de Relações Exteriores. Ele atua agora como presidente do Projeto EUA/Oriente Médio. Na primeira parte de nossa entrevista de duas partes, Siegman discute o ataque a Gaza, os mitos que cercam a fundação de Israel em 1948 e sua própria experiência como refugiado judeu alemão que fugiu da ocupação nazista para mais tarde se tornar a principal voz judaico-americana e, agora, um crítico enfático das políticas de Israel nos Territórios Ocupados.
"Quando se pensa que isto é o que é necessário para a sobrevivência de Israel, que o sonho sionista é baseado no sistemático massacre de inocentes na escala que estamos assistindo esses dias na televisão, que trata-se de uma crise muito, muito profunda - e que deve ser uma crise profunda no pensamento de todos nós que estavam comprometidos com o estabelecimento do Estado e para o seu sucesso", diz Siegman. Respondendo à reivindicação apoiada pelos EUA de Israel de que seu ataque a Gaza é necessário porque nenhum país toleraria o lançamento de foguetes por militantes em Gaza, Siegman diz: "O que invalida este princípio é que nenhum país e nenhum povo viveria da maneira que os habitantes de Gaza têm sido forçados a viver .... A questão da moralidade da ação de Israel depende, em primeira instância, desta questão, não poderia Israel fazer algo [para evitar] este desastre que está acontecendo agora, em termos de destruição de vidas humanas? Eles não poderiam ter feito algo que não exigisse este custo? E a resposta é, com certeza, que Israel poderia ter terminado com a ocupação. "
Transcrição
Esta é uma transcrição rápida. A cópia pode não estar em sua forma final.
Nermeen SHAIKH : À medida que continuamos nossa cobertura da ofensiva israelense em Gaza, vamos passamos a próxima hora, com Henry Siegman, ex-diretor executivo do American Jewish Congress, usualmente descrito como uma das "três grandes" organizações judaicas do país juntamente com o Comitê Judaico Americano e a Liga Anti-Difamação. Henry Siegman nasceu em 1930 em Frankfurt, Alemanha. Três anos depois, os nazistas chegaram ao poder. Depois de fugir de tropas nazistas na Bélgica, sua família mudou-se para os Estados Unidos. Seu pai era um líder do movimento Sionista europeu, que pressionava para a criação de um Estado judeu. Em Nova York, Henry Siegman estudou e foi ordenado como um rabino ortodoxo por Yeshiva Torah Vodaas. Mais tarde, tornou-se chefe do Conselho de Sinagogas da América. Depois de atuar no American Jewish Congress, Siegman tornou-se um membro sênior do Conselho de Relações Exteriores. Ele agora atua como presidente do Projeto EUA/Oriente Médio.
AMY GOODMAN : Ao longo dos anos, Henry Siegman tornou-se um crítico feroz da política de Israel nos Territórios Ocupados e exortou Israel a negociar com o Hamas. Ele chamou a luta palestina por um Estado, abre aspas, "a imagem no espelho do movimento sionista", que levou à fundação de Israel em 1948. Recentemente, ele escreveu um artigo para a Revista Politico intitulado "Israel provocou essa guerra." Nermeen Shaikh e eu sentamos-nos com ele na terça-feira. Comecei pedindo a Henry Siegman se ele poderia caracterizar a situação em Gaza no momento.
RABINO HENRY Siegman : Sim, é desastrosa. É desastrosa, tanto em termos políticos, o que significa dizer que não se pode conceber que a situação irá, certamente não no curto prazo, levar a nenhum resultado positivo, a uma melhoria nas vidas tanto de israelenses quanto de palestinos, e é claro, é desastrosa em termos humanitários, o tipo de massacre que está acontecendo lá. Quando se pensa que isto é o que é necessário para a sobrevivência de Israel, que o sonho sionista é baseado no massacre de - no sistemático massacre de inocentes na escala que estamos assistindo esses dias na televisão, que trata-se de uma crise muito, muito profunda - e que deve ser uma crise profunda - no pensamento de todos nós que estávamos comprometidos com o estabelecimento do Estado e para o seu sucesso. Isso nos leva praticamente a uma completa reformulação desse fenômeno histórico.
Nermeen SHAIKH : O que você acredita - Mr. Siegman, o que você acredita que sejam os objetivos de Israel no presente ataque em Gaza?
RABINO HENRY Siegman : Bem, ele tem vários objetivos, embora eu não tenha certeza de que cada uma deles é especificamente responsável pela carnificina que estamos vendo agora. Ele tem, o que parece superficialmente um objetivo justificável, de acabar com esses ataques, os foguetes que vêm de Gaza e se destinam - é difícil dizer que eles estão destinados a civis, porque eles parecem nunca pousarem em qualquer lugar que cause sérios danos, mas eles poderiam e teriam feito, se não fosse pela sorte. Então, em face disso, Israel tem o direito de fazer o que está fazendo agora, e, é claro, isso tem sido afirmado até mesmo pelo presidente dos Estados Unidos, várias vezes , que nenhum país concordaria em viver com esse tipo de ameaça pairando repetidamente sobre ele.
Mas o que ele não diz, e o que perverte este princípio, mina o princípio, é que nenhum país e nenhum povo viveria da forma que os habitantes de Gaza têm sido forçados a viver. E, conseqüentemente, esta equação moral que coloca Israel por cima como a vítima que tem de agir para impedir que a sua situação continue dessa maneira, e os palestinos em Gaza, ou o Hamas, a organização responsável por Gaza, como os atacantes, a nossa mídia nunca diz que estas são pessoas que têm o direito de viver uma vida normal, decente também. E eles, também, devem pensar: "O que podemos fazer para pôr fim a isso?"
E é por isso que no artigo do Politico que você mencionou, eu indiquei que a questão da moralidade da ação de Israel depende, em primeira instância, da questão: Não era possível Israel fazer algo para evitar este desastre que está se desenrolando agora, em termos de destruição de vidas humanas? Não poderia ter feito algo que não exigisse este custo? E a resposta é: claro, eles poderiam ter terminado a ocupação, com resultados - quaisquer que sejam os riscos, eles certamente não são maiores do que o preço a ser pago agora pelo esforço de Israel em continuar e manter permanentemente a sua relação com os palestinos.
AMY GOODMAN : Quando você diz que Israel poderia acabar com a violência com o fim da ocupação, Israel diz que não ocupa Gaza, que a deixou anos atrás. Eu queria mostrar-lhe um clipe do MSNBC. Foi na semana passada, e o apresentador, Joy Reid, estava entrevistando o porta-voz israelense, Mark Regev.
MARK REGEV: "Escute, se você me permitir, eu tenho uma questão com uma palavra importante que você disse. Você disse que Israel é a autoridade de ocupação. Você está se esquecendo Israel retirou-se da Faixa de Gaza. Retiramos todas as colônias, e os colonos que não queriam deixar, nós os forçamos a sair. Nós retornamos para a fronteira internacional de 1967. Não há ocupação israelense da Faixa de Gaza. Nós não estamos lá há cerca de oito anos."AMY GOODMAN : Henry Siegman, você pode responder?
RABINO HENRY Siegman : OK, sim. Isso é claro um total absurdo e por várias razões. Primeiro de tudo, Gaza é controlado completamente, como a Cisjordânia, porque é totalmente cercado por Israel. Israel não poderia impor o tipo de estrangulamento que tem sobre Gaza se não fosse circundante, se suas forças armadas não estivessem em torno de Gaza, e não apenas no território, mas também no ar, no mar. Ninguém lá pode fazer um movimento sem entrar em contato com a IDF israelense, você sabe, fora desta área aprisionada onde os habitantes de Gaza vivem. Então, não há ninguém que eu encontrei, que está envolvido com direito internacional, que alguma vez tenha me sugerido que no direito internacional Gaza não é considerada ocupado. Então, isso é pura bobagem.
Mas há um outro ponto desencadeado por sua pergunta para mim, e esta é a máquina de propaganda, e esses porta-vozes oficiais irão sempre lhe dizer, "Dê uma olhada em que tipo de pessoas eles são. Nós devolvemos Gaza para eles. E você acharia que eles investiriam suas energias na construção da área, tornando-se num governo modelo e numa economia modelo. Em vez disso, eles estão trabalhando em foguetes ". A implicação aqui é que eles realmente ofereceram aos palestinos um mini estado e eles não souberam aproveitar, então, a questão não é realmente a soberania do estado palestino. Esse é o objetivo deste tipo de crítica.
E eu sempre me perguntei, e isso tem muito a ver com a minha própria mudança de pontos de vista sobre as políticas de governos, não sobre o estado judeu por estado judeu, mas das políticas seguidas pelos governos de Israel e apoiados - você sabe, diz-se que Israel é uma democracia modelo no Oriente Médio, então você deve assumir - o público deve assumir alguma responsabilidade por aquilo que o governo faz, porque é ele quem coloca os governos no lugar. Então, a pergunta que eu me faço é: E se a situação fosse invertida? Sabe, há um ditado talmúdico em Pirkei Avot , A Ética dos Pais: "Al tadin et chavercha ad shetagiah lemekomo."," Não julgue seu vizinho até que você possa se imaginar no lugar dele". Então, a minha primeira pergunta quando eu lido com qualquer questão relacionada com a questão Israel-Palestina é: e se estivéssemos no lugar deles?
E se a situação fosse invertida, e a população judaica estivesse trancada, fosse-lhe dito: "Aqui, você tem menos de 2 por cento da Palestina, então agora trate de se comportar. Chega de resistência. E deixe a gente lidar com o resto"? Existe algum judeu que teria dito esta é uma proposta razoável, nós cessamos nossa resistência, cessamos nosso esforço para estabelecer um Estado judeu, pelo menos em metade da Palestina, que é autorizada pela ONU? Ninguém concordaria com isso. Eles diriam que isso é um absurdo. Assim, as expectativas de que os palestinos - e eu estou falando agora sobre a resistência como um conceito; não estou falando de foguetes, se eram justificados ou não . Eles não são. Eu acho que lançar foguetes que vão matar civis é um crime. Mas para os palestinos tentarem, de qualquer maneira que puderem, acabar com este estado de coisa - e esperar deles que acabem com a sua luta e se concentrem apenas em menos de 2 por cento para construir um país é um absurdo. Isso é parte de - isto é propaganda, mas não é uma discussão de política ou moral.
Nermeen SHAIKH : Uma das coisas que é repetida com mais frequência é, o problema com o governo de unidade palestino é, naturalmente, que o Hamas é agora parte dele, e o Hamas é considerado uma organização terrorista por Israel e também pelos Estados Unidos. Eu só gostaria de ler uma breve citação de um artigo que você escreveu em 2009 na London Review of Books . Você disse: "O Hamas não é mais uma 'organização terrorista' (...) que o movimento sionista foi durante a sua luta por uma pátria judaica. No final dos anos 1930 e 1940, partidos de dentro do movimento sionista recorreram a atividades terroristas por razões estratégicas". Você poderia elaborar sobre isso e o que você vê como os paralelos entre os dois?
RABINO HENRY Siegman : Bem, eu estou feliz que eu tenha dito isso. Na verdade, eu repeti isto numa carta ao The New York Times outro dia, uma ou duas semanas atrás. O fato é que Israel teve, antes de se tornar um estado - em sua fase pré-estado, vários grupos terroristas que fizeram exatamente o que o Hamas faz hoje. Eu não quero dizer que enviaram foguetes, mas eles mataram pessoas inocentes. E eles fizeram isso de uma forma ainda mais direcionada do que esses foguetes fazem. Benny Morris publicou um livro que é considerado a bíblia sobre esse período particular, a guerra de...
AMY GOODMAN : O historiador israelense.
RABINO HENRY Siegman : Desculpe-me?
AMY GOODMAN : O historiador israelense, Benny Morris.
RABINO HENRY Siegman : O historiador israelense, certo, então, no livro Righteous Victims, na qual ele disse - eu me lembro, quando li isso, fiquei chocado - em que ele - particularmente em seu livro mais recentemente atualizado, que foi baseado em alguma nova informação que as Defesas de Israel - a IDF finalmente teve que abrir e publicar, que os generais israelenses receberam instruções diretas de Ben-Gurion durante a Guerra de Independência para matar civis, ou alinhá-los contra a parede e fuzilá-los, a fim de ajudar a incentivar o êxodo, o que de fato aconteceu, de 700.000 palestinos, que foram expulsos de suas - deixaram suas casas, e suas cidades e aldeias foram destruídas. Isto foi terror, não apenas dentro dos grupos terroristas, os terroristas de pré-estado, mas foi dentro das forças armadas, os militares israelenses, que lutaram na Guerra da Independência. E neste livro recente, que tem recebido tanta atenção do público por Ari, você sabe, My Promised Land.
AMY GOODMAN : Shavit.
RABINO HENRY Siegman : Ari Shavit. Ele descreve vários incidentes deste tipo, também. E aliás, uma das pessoas que - de acordo com Benny Morris, uma das pessoas que recebeu essas ordens - e eram ordens orais, mas ele, em seu livro, descreve porque ele acredita que essas ordens foram dadas, foram dadas a ninguém menos que Rabin, que não era um general na época, mas ele - e que ele executou essas ordens.
AMY GOODMAN : Significando?
RABINO HENRY Siegman : Significando?
AMY GOODMAN : O que significou que ele executasse essas ordens, Rabin?
RABINO HENRY Siegman : Que ele executou civis. E a justificativa dada para isso quando Shavit, há alguns anos, teve uma entrevista com Benny Morris e disse-lhe: "Meu Deus, você está dizendo que houve uma limpeza étnica deliberada aqui?" E Morris disse: "Sim, houve." E ele diz: "E você a justifica?" E ele disse: "Sim, porque caso contrário não teria havido um estado". E Shavit não deu prosseguimento. E esse foi um dos meus próprios pontos de mudança, quando eu vi isso. Ele não iria prosseguir e dizer: "Bem, se isso é uma justificativa, a luta pela soberania, por que os palestinos não podem fazer isso? Que há de errado com o Hamas? Por que eles estão sendo demonizado se eles fazem o que nós fizemos?"
AMY GOODMAN : Eu quero ir para o primeiro-ministro israelense no início deste mês, Benjamin Netanyahu, prometendo punir os responsáveis pela morte de Mohammed Abu Khdeir, o adolescente palestino que foi queimado vivo após os assassinatos de três adolescentes israelenses. Mas ao fazer isso, Netanyahu estabeleceu uma distinção entre Israel e seus vizinhos na forma como ele lida com, aspas, "assassinos".
PRIME MINISTRO BENJAMIN NETANYAHU : "Eu sei que em nossa sociedade, a sociedade de Israel, não há lugar para tais assassinos. E essa é a diferença entre nós e nossos vizinhos. Eles consideram assassinos como heróis. Eles batizam praças públicas com seus nomes. Nós não. Nós os condenamos, e nós os colocamos em julgamento, e nós vamos colocá-los na prisão".AMY GOODMAN : Esse foi o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, falando sobre a diferença. Henry Siegman, você pode responder?
RABINO HENRY Siegman : Bem, a única diferença em que eu posso pensar é que em Israel fizeram os líderes dos dois principais grupos terroristas pré-estado primeiros-ministros. Portanto, esta distinção que ele está desenhando é simplesmente falsa; isso não é verdade. Os chefes dos dois grupos terroristas, que, aliás, mais uma vez, voltando a Benny Morris, em seu livro, Righteous Victims, ele escreve, neste período pré-estado, que o uso de civis como alvo foi iniciado pelos grupos terroristas judeus, e que os árabes - e os grupos árabes os imitaram.
AMY GOODMAN : Você está falando de Irgun e o Stern Gang.
RABINO HENRY Siegman : Sim, sim. E como você sabe, tanto o chefe do Irgun e tanto o chefe do Stern Gang - estou falando de Begin e Shamir - tornaram-se primeiros-ministros do estado de Israel. E contrariando Netanyahu, vias públicas e ruas são batizadas com seus nomes.
AMY GOODMAN : Henry Siegman, ex-presidente do Congresso Judaico Americano. Vamos continuar a nossa conversa com ele em um minuto.
[Pausa]
AMY GOODMAN : Este é Democracy Now! , democracynow.org, O Relatório de Guerra e Paz , à medida que continuamos nossa conversa com o rabino Henry Siegman, presidente do Projeto EUA/Oriente Médio, ex-presidente do Congresso Judaico Americano. Entrevistei-o terça-feira com Nermeen Shaikh.
Nermeen SHAIKH : Eu gostaria de me voltar, Henry Siegman, a Khaled Meshaal, líder do Hamas, que estava falando à Charlie Rose da PBS. Ele disse que o Hamas estava disposto a conviver com os judeus, mas disse que não iria viver, abre aspas, "com um estado de ocupantes."
KHALED Meshaal : [traduzido] Estou pronto para coexistir com os judeus, com os cristãos, e com os árabes e não-árabes, e com aqueles que concordam com minhas idéias e também não concordam com elas; no entanto, eu não coexisto com os ocupantes, com os colonos e aqueles que colocam um cerco sobre nós.
CHARLIE ROSE : É uma coisa dizer que você quer conviver com os judeus. É outra coisa que você queira coexistir com o estado de Israel. Você quer coexistir com o estado de Israel? Você quer oficializar - você quer reconhecer Israel como um estado judeu?
KHALED Meshaal : [traduzido] Não. Eu disse que não quero viver com um estado de ocupantes.Nermeen SHAIKH : Este foi Khaled Meshaal, líder do Hamas, falando com Charlie Rose. Henry Siegman, você poderia responder a isso, e, especificamente, à alegação feita repetidamente por israelenses que não podem negociar com uma organização política que recusa o direito do Estado de Israel de existir em sua forma atual?
RABINO HENRY Siegman : Sim. Acontece que tanto no costume internacional e quanto no direito internacional, os partidos políticos, como o Hamas, não são cobrados ou até mesmo solicitados a reconhecerem estados, se eles reconhecem um estado ou não. A questão é se o governo do qual eles são parte e que faz políticas e executa as políticas, se o governo está preparado para reconhecer outros estados. E isso é verdade no caso de Israel, também, o governo de Israel, qualquer governo. Eu, aliás, discuti este assunto com Meshaal, não uma, mas várias vezes, face a face, e lhe perguntei se ele seria parte de um governo que reconhecesse o Estado de Israel, e ele diz - e ele disse: "Sim, desde" - eles tinham uma condição - ele disse, "desde que a população palestina aprove esta política ". E ele repetiu-me o fato de que - ele disse - "Você está absolutamente certo." Ele diz: "As pessoas nos perguntam se vamos reconhecer o Estado de Israel e vamos afirmar que é legitimamente um estado judeu". Ele disse: "Não, nós não vamos fazer isso. Mas nós nunca dissemos que não serviríamos em um governo que tem o apoio do público para essa posição, que não vamos servir um governo como este".
Mas um ponto mais importante a ser feito aqui e é por isso que estas distinções são tão desonestas - o Estado de Israel não reconhece um Estado palestino, o que é dizer que há partidos no governo de Netanyahu - partidos muito importantes, não partidos marginais - incluindo o seu, o Likud, que até hoje tem uma plataforma oficial, que não reconhece o direito dos palestinos a ter um estado em qualquer lugar na Palestina. E, claro, você tem o partido de Naftali Bennett, o HaBayit HaYehudi, que diz isso abertamente, que nunca haverá um estado, um estado palestino, em qualquer lugar na Palestina. Por que nosso governo ou qualquer um não disse: "Como o Hamas, se você tem partidos como este em seu governo, você não é um parceiro da paz, e você é um grupo terrorista, se de fato você usar a violência para implementar a sua política, como Hamas faz "? Assim, a hipocrisia na discussão que está ocorrendo publicamente é apenas incompreensível.
AMY GOODMAN : Henry Siegman, você é o chefe, o ex-chefe, de uma das principais organizações judaicas, o Congresso Judaico Americano.
RABINO HENRY Siegman : Duas delas, também do Conselho de Sinagogas da América.
AMY GOODMAN : Então, essas são as principais organizações judaicas estabelecidas. Você disse que foi ver Khaled Meshaal, líder do Hamas, não uma, mas várias vezes para se encontrar com ele. O governo dos EUA chama o Hamas uma organização terrorista. Eles não vão conversar com eles. Eles se comunicam com eles através de outras partes, através de outros países, para falar com eles. Fale sobre a sua decisão de se reunir com Khaled Meshaal, onde você se encontrou com ele, e o significado de suas conversas.
RABINO HENRY Siegman : Bem, em primeiro lugar, deve-se notar que os EUA não tem essa política de não se encontrar com organizações terroristas. Ele tem uma política de não se encontrar com o Hamas. Isso é bem diferente. Estamos muito felizes de nos encontrarmos com o Talibã e negociar com eles. E eles cortam as mãos e cabeças das pessoas, e eles matam meninas que vão para a escola. E isso não impediu os Estados Unidos de terem negociações com o Talibã, então não tem sentido que não falamos com organizações terroristas. Falamos com os inimigos, se queremos cessar a matança, e estamos felizes em fazê-lo e tentar chegar a um acordo que ponha fim a ela. E por que o Hamas deve ser a exceção, mais uma vez, acho desonesto. E a única razão pela qual fazemos isso é em resposta às pressões da AIPAC e, é claro, a posição de Israel. A maior bancada, bancada parlamentar, na Knesset de Israel é chamada bancada de Eretz Yisrael HaShlema, que o Likud lidera.
AMY GOODMAN : Explique isto em português, "a terra de Israel."
RABINO HENRY Siegman : Um "eretz", em português - em português, isso significa toda a terra de Israel. Esta é uma bancada parlamentar, a maior bancada no Knesset, que é totalmente dedicada a não permitir que qualquer governo estabeleça um estado palestino em qualquer lugar na terra de Israel, liderado pelo Likud, altos membros do Likud de Knesset, e liderado - um partido que é chefiado pelo primeiro-ministro de Israel. E o que confunde a imaginação é que ninguém fala sobre isso, ninguém aponta, e ninguém diz: "Como você pode tomar essas posições contra o Hamas se isso é exatamente o que está acontecendo dentro do seu próprio governo que você chefiando?"
Nermeen SHAIKH : Henry Siegman, como você está muito mais familiarizado do que a maioria, o argumento apresentado por Israel e simpatizantes de Israel é que o que poderia ser interpretado como uma resposta desproporcional de Israel ao Hamas tem a ver com a experiência histórica da perseguição do judeus e, é claro, o Holocausto. Assim como você responde a esse tipo de alegações?
RABINO HENRY Siegman : Bem, eu não aceito de forma alguma, porque a lição das perseguições pareceriam-me - e, certamente, se você seguir a tradição judaica, a lição dessas perseguições, sempre dissemos, até que o estado de Israel surgisse, é que você não tratar as pessoas nesse tipo de forma desumana e cruel. E a esperança sempre foi que Israel seria uma democracia modelo, mas não apenas uma democracia, mas um estado que praticaria valores judaicos, em termos de sua abordagem humanitária a estas questões, a sua busca da justiça e assim por diante.
Eu sempre senti que, para mim, a experiência do Holocausto, que foi importante para mim, uma vez que eu vivi dois anos sob a ocupação nazista, a maior parte dela correndo de um lugar para outro e me escondendo - eu sempre pensei que a importante lição do Holocausto não é que há o mal, que existem pessoas más neste mundo que poderiam fazer as coisas mais inimagináveis, inimaginavelmente cruéis. Essa não foi a grande lição do Holocausto. A grande lição do Holocausto é que pessoas decentes, pessoas cultas, as pessoas que, de outra forma consideraríamos pessoas boas, podem permitir que tal mal prevaleça, que o público alemão - eles não eram monstros, mas foi OK para eles que a máquina nazista fizesse o que ela fez. Agora eu não desenho uma comparação entre a máquina nazista e política israelense. E o que eu me ressinto mais profundamente é quando as pessoas dizem: "Como você se atreve a invocar a experiência nazista?" A questão não é, você sabe, exatamente o que eles fizeram, mas o ponto é a evidência de que eles deram que pessoas decentes podem assistir ao mal e não fazer nada sobre isso. Essa é a lição mais importante do Holocausto, não os Hitlers e não a SS, mas o público que permitiu que isso acontecesse. E a minha profunda decepção é que o público israelense, precisamente porque Israel é uma democracia e não se pode dizer: "Nós não somos responsáveis pelo que nossos líderes fazem", que o público coloque essas pessoas de volta no governo de novo e de novo.
AMY GOODMAN : Você mencionou sua experiência como sobrevivente do Holocausto. Você poderia apenas entrar nela um pouco mais profundamente? Você nasceu em 1930 na Alemanha. E falar sobre a ascensão dos nazistas e como sua família escaparam.
RABINO HENRY Siegman : Bem, eu não me considero um sobrevivente do Holocausto, no sentido de que eu não estava em um campo de concentração. Mas eu vivi sob a ocupação nazista. Eu nasci em 1930, mas os nazistas chegaram ao poder em - eu acho em 1933. E logo em seguida, nós vivíamos na Alemanha na época. Meus pais moravam na Alemanha, em Frankfurt. E eles partiram. Meu pai decidiu desistir de um negócio muito bem sucedido e se mudar para a Bélgica no pressuposto de que a Bélgica era segura, que estaríamos fugindo dos nazistas. Mas em 1940, os alemães invadiram a Bélgica, e eles invadiram a França. Isso foi no início de 1940, eu acredito. E assim, é uma longa história, mas para resumir - a partir desse ponto até fevereiro de 1942, quando chegamos, finalmente chegamos aos Estados Unidos.
E como meu pai conseguiu fazê-lo é um milagre; até hoje, eu não compreendo totalmente, porque havia seis filhos que ele teve que levar com ele, e minha mãe, é claro. Corremos de um lugar para outro. Primeiro, fomos em Dunquerque, onde a clássica evacuação, a memorável evacuação aconteceu, e os franceses e os soldados britânicos se retiraram para outro lado do canal. Aconteceu de nos encontrarmos lá no momento. E, então, fomos enviados de volta pelo - quando as tropas nazistas finalmente nos alcançaram em Dunquerque, eles nos mandaram de volta a Antuérpia. E então meu pai tinha ligações com o chefe de polícia, por causa de seus interesses comerciais em Antuérpia antes dos nazistas chegarem. Ele foi avisado pela manhã que nós deveríamos ser - a Gestapo deveria vir à nossa casa para levar todos nós embora. E assim nós escapamos, e conseguimos chegar a Paris. E a partir de Paris, nós cruzamos - nós fomos contrabandeados através da fronteira para a França ocupada de Vichy, e nós estivemos lá por cerca de um ano, mais uma vez, sem os documentos apropriados e na clandestinidade. Então nós tentamos atravessar para Espanha. E nós conseguimos, mas quando chegamos à fronteira espanhola, eles finalmente fecharam a fronteira e nos enviaram de volta para a França.
Assim, conseguimos então pegar um barco para nos levar de Marselha ao norte da África, onde foram internados brevemente em um campo no norte da África. E então o - que eu acredito que foi o último navio - um navio português, neutro, levando refugiados para os Estados Unidos parou no norte da África. Pegamos esse navio. E nós estivemos em alto mar por dois meses, porque os submarinos nazistas já estavam ocupados afundando os navios que eles encontravam. Então tivemos que percorrer todo o caminho em volta para evitar diversas áreas infestadas de submarinos nazistas.
Então, depois de dois meses em alto mar, chegamos a Nova York, onde fomos enviados para Ellis Island, que estava cheio de bundistas¹, que tinham sido bundistas alemães, que foram presos e estavam sendo enviados de volta para a Alemanha. Mas à medida que entramos em Ellis Island por aquele corredor, algo que eu nunca vou esquecer: "Estamos na América, finalmente!" E esses bundistas estavam cumprimentando uns aos outros no corredor, "Heil Hitler!" Assim, os "Heil Hitler" de que estávamos tentando fugir da Europa foram a primeira coisa que encontramos quando desembarcamos em Ellis Island.
AMY GOODMAN : E como é que você acabou se tornando chefe de uma das maiores - ou, como você disse, duas das maiores organizações judaicas do país? E qual foi a sua posição sobre o sionismo, após a Segunda Guerra Mundial?
RABINO HENRY Siegman : Bem, meu pai era um dos líderes do sionismo europeu. Ele era o chefe da Mizrachi no movimento sionista religioso, não apenas na Bélgica, mas na Europa Ocidental. E os líderes, os chefes, os fundadores da Mizrachi - o prefeito de Berlim em pessoa, Gold, muitos outros - foram convidados em nossa casa em Antuérpia. E eles costumavam me sentar em seus joelhos e me ensinar canções hebraicas de Israel. Então, eu tinha - fui criado no seio materno, e eu era um ardoroso - ainda garoto, um ardoroso sionista. Lembro-me de no navio vindo, estávamos vindo para a América, e eu estava escrevendo poesia e canções - eu tinha 10 anos, 11 anos de idade - sobre o céu azul da Palestina.
E assim, na idade adulta, não até bem depois da Guerra dos Seis Dias, quando me deparei - e eu vim a conhecer Rabin e outros, e me deparei com uma discussão em que me foi dito por israelenses, pelo povo de Israel com quem eu estava falando, o governo, o alto escalão do governo, que tinham uma iniciativa de Sadat sobre a paz e a retirada e assim por diante. E Rabin disse: "Mas, claramente, o público israelense não está preparado para isso agora." E isso me atingiu como um martelo. Eu sempre tive essa noção arraigada em mim que, se apenas os árabes estavam estendendo a mão e dispostos a viver em paz com Israel, que seria o tempo do Messias. E o Messias veio, e a liderança israelense disse: "Não, a opinião pública não está preparada para isso." E eu escrevi um artigo, em seguida, na revista Moment, se você se lembrar, ele foi publicado por Leonard Fein, e ele fez dele uma reportagem de capa, e o título era: "Por uma questão de Sião, eu não vou ficar calado." E isso despertou o meu re-exame das coisas que me tinham sido ditas e do que estava acontecendo nos bastidores.
Nermeen SHAIKH : Antes disso, seu senso sempre foi que, se os árabes estendessem a mão, haveria dois estados: a Palestina e Israel.
RABINO HENRY Siegman : Eu não tinha nenhuma dúvida sobre isso. Quero dizer, que era, você sabe, apenas um postulado, que estamos partilhando. A resolução diz, você sabe, dois estados. A resolução, que Israel - a resolução da partilha, que Israel invocou na sua Declaração de Independência, plantou, enraizou sua legitimidade nela - ela citava os palestinos - o plano de partilha. Mas quando alguém nos dias de hoje diz: "Mas há um plano de partilha que disse que o resto, que não foi atribuído a Israel, é o patrimônio legítimo do povo palestino", a resposta dada é: "Ah, é, mas eles votaram que não iriam aceitá-lo, e o plano de partilha nunca foi oficialmente adotado". Bem, por que você o está citando então na sua Declaração de Independência, se você considera que ele seja nulo e não válido - de qualquer forma?
AMY GOODMAN : E a resposta - ou o slogan, a ideia de que foi tão apresentada na fundação do Estado de Israel: A Palestina é uma terra sem povo para um povo sem terra?
RABINO HENRY Siegman : Bem, isso foi o entendimento comum e repetido várias vezes no livro de Ari Shavit e outros, de que o movimento sionista, em seu próprio nascimento, foi fundada em uma inverdade, em um mito, que a Palestina era um país sem povo. E, como ele diz, obviamente - e ele reconhece em seu livro que era uma mentira. E, portanto, desde o início, o sionismo não enfrentou esse dilema moral profundo que estava em seu coração. Como você lida com essa realidade? E, como conseqüência disso, uma das maneiras que se lidou com isso foi ver à expulsão de 700 mil pessoas de suas cidades, de suas vilas e aldeias, e a destruição de todas elas, o que, para seu crédito, Ari Shavit escreve sobre isso muito dolorosa e honestamente.
AMY GOODMAN : Henry Siegman, presidente do Projeto EUA/Oriente Médio. Ele é o ex-diretor executivo do American Jewish Congress, bem como o Conselho de Sinagogas da América. Recentemente, ele escreveu um artigo para o Politico intitulado "Israel provocou essa guerra." Vamos dar o link para ele no democracynow.org. Sintonize amanhã para a segunda parte da nossa conversa com o rabino Henry Siegman, onde ele fala sobre o apoio dos EUA para a cobertura da mídia de Israel e dos EUA.
Tradução livre do original publicado no site Democracy Now:
Rabbi Henry Siegman, Leading Voice of U.S. Jewry, on Gaza: 'A Slaughter of Innocents' | Democracy Now!
Notas de tradução:
- Bundistas refere-se aos membros do Bund - uma organização americana pró-nazista dos anos 30.
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