Um dia, porém, a fonte dos milagres pareceu secar. Não que o ritual tivesse mudado. Continuava pondo-se de joelhos diante do altar erigido em homenagem ao santo à cabeceira de sua cama, e suplicava ao padroeiro das causas impossíveis, antes de rezar o Pai Nosso, Ave Maria e Glória ao Pai como sempre havia feito em suas preces noturnas. Agora, porém, Francisco almejava uma graça diferente:
- Ó Santo Expedito! Eu vos suplico que me deixeis ganhar na loteria.
Todo o dia seu Francisco repetia o mesmo ritual e nada de enricar. Começava a ter sua fé abalada à medida que os concursos se alternavam e seu nome nunca estava entre os dos felizes vencedores que dividiam não apenas os prêmios, mas também o ingresso em uma vida eterna de ócio e conforto, o mais próximo do paraíso que se pode conceber na terra quando, às vésperas de uma daquelas mega-senas acumuladas que dão coceira na mão só de se pensar em ganhar, o santo, preocupado em perder a devoção de fiel tão caro, apareceu-lhe durante suas preces suplicando a Seu Francisco:
- Pelo amor de Deus me ajuda a te ajudar. Se não comprares um bilhete, não vai dar.
Estávamos andando pelas Alagoas, o estado com os piores indicadores sociais do país. Uma síntese de Brasil. Um lugar onde, ao contrário da natureza exuberante, o estado pouco se faz presente. Um lugar onde o turista tem a constante impressão que está sendo explorado por todos o tempo todo. A pousada que nos cobrava R$ 9,00 a Long Neck de cerveja e R$ 25,00 a porção de macaxeira frita nos indicou um bugre que por R$ 120,00 nos levou a uma balsa a 15 minutos de distância e nos buscou 3 horas mais tarde.
- Antigamente o passeio durava 4 horas mas esse ano a associação dos bugreiros resolveu diminuir o tempo para 3 horas. É tempo demais. A praia não tem estrutura nenhuma.
Isso que é propaganda da Praia do Morro, uma das principais atrações turísticas da cidade. Impossível não passar um pensamento de "que merda eu estou fazendo aqui na caçamba de um bugre, pagando R$ 120,00 para ver uma praia que o guia disse ser a mais bonita da região mas que não vale 4 horas de permanência?". E o que pensar quando o bugre quebra na volta e te deixa no sol quente do meio-dia?
Não seria diferente se eu tivesse tomando cerveja na Praia de Copacabana. Ou comendo camarão em Barreirinhas. Ou almoçando em um restaurante em Gramado. Ou num táxi em São Paulo. Em todos esses lugares eu me senti explorado à beira da humilhação. A única coisa que muda é o sotaque do explorador.
Estávamos no táxi que nos levou de volta de São Miguel dos Milagres a Maceió por módicos R$ 400,00. Indicado pela pousada. Sei não, mas acho que estou começando a identificar um padrão. Lá pelas tantas, alcançamos um trio-elétrico utilizado na campanha do governador eleito de Alagoas. O motorista que, ao contrário do seu colega que nos levou no sentido inverso, estava completamente calado, abriu uma exceção e nos disse.
- Esse é o nosso novo governador.
O rosto sorridente e manipulado no Photoshop está em um cartaz afixado à traseira do trio elétrico.
- Tô sabendo... Fico só me perguntando que mudança é essa...
Acontece que o cartaz também trás o slogan de campanha do novo governador: "A mudança que a gente quer". O motorista não respondeu. Talvez tenha ficado aborrecido com o comentário. Ou talvez a quietude fosse apenas um traço de sua personalidade.
Se eu fosse escolher uma palavra-chave para as eleições deste ano, esta seria "mudança". Mesmo os slogans daqueles que estão concorrendo à reeleição trazem implícito que alguma coisa tem que ser feita de forma diferente. "Governo novo. Ideias novas". Como assim? As ideias do atual não eram lá nenhuma Brastemp? O slogan de Renan Filho, no entanto, apresenta um realismo perturbador. "A mudança que a gente quer". Qual é a mudança que a gente realmente quer?
Quando se esforçam, as pessoas conseguem fazer correlações fantásticas. Conseguem correlacionar, por exemplo, andar descalço no chão quente com corrimento. Andar descalço no chão frio com gripe. Tomar leite e manga com indisposição estomacal. Como elas não conseguem correlacionar indicadores sociais ruins com as oligarquias que há anos dominam seus estados? Como não correlacionar os Collor de Mello com as mazelas que em Alagoas parecem bem mais acentuadas quando se toma o resto do país como base de comparação? Fernando Collor de Mello foi reeleito senador com 55% dos votos válidos dos alagoanos. Renan Filho cuja maior qualidade política é ser filho do Renan Pai foi eleito. Uma nova dinastia vai se formando. E como o Maranhão bem nos ensina, este lance de dinastia política não costuma dar muito certo para aqueles que não ostentam o sobrenome correto na certidão de nascimento.
Tudo bem. Eu sei que na superfície todos parecem iguais. Talvez todos sejam iguais. Mas de uma coisa eu tenho certeza. Se continuarmos reelegendo sempre as mesmas caras, não há qualquer possibilidade de uma cara diferente aparecer. E se assim for, não adianta clamar por mudança. Não adianta suplicar por boa sorte se não dermos chances a ela.
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