Fim de festa

O despertador tocou. Agnelo se levantou. Não que tivesse dormido. Há tempos não pregava os olhos. Desde que a apuração confirmou o que toda a corte já sabia mas que ninguém tinha coragem de expressar em voz alta. Não seria reeleito. Não era tão ingênuo a ponto de ignorar as evidências que apontavam para este desfecho. Mas mesmo os mais céticos podem manter uma esperança irracional num milagre salvador quando a vaca parece ter se encaminhado definitivamente para o brejo. Uma pena que milagres não acontecem.

Os sentimentos foram tomando forma. A humilhação de não conseguir chegar nem mesmo no segundo turno. O choque de constatar que sua carreira política está condenada ao ostracismo. Nunca mais será um protagonista na política local. Provavelmente se elegerá deputado distrital daqui a 4 anos. Com sorte federal. Senador? Difícil. Começa a pensar num cargo de segundo escalão no governo federal. Um prêmio de consolação para quem já tinha sido ministro do esporte. Mas aquele tempo não lhe pertencia mais. Um tempo onde tinha prestígio e uma carreira política promissora. Agora tinha necessidades mais urgentes: precisava de uma tábua de salvação que o livrasse de voltar a ser médico e ter que passar pelo constrangimento de deixar a impressão digital no ponto eletrônico.

Tentou puxar da memória a última vez exerceu a medicina à vera. Não conseguiu. Durante seu mandato fez alguns mutirões sob o pretexto de zerar a fila de espera por cirurgias eletivas. Quando lançava essas ações, participava pessoalmente das cirurgias para demonstrar o quanto estava interessado pela saúde da população. É claro que tratava-se apenas de um teatrinho. Ainda durante a residência médica, engatou numa carreira política que até 4 anos atrás se mostrara muito bem sucedida mas que, em contrapartida, o afastou definitivamente dos bisturis. Agora, aos 55 anos não se via mais como médico. Nunca fora. Era político. Era a única profissão que realmente desempenhara na vida.

Dava tudo para dormir e só acordar na manhã do dia primeiro de janeiro. Tem a sensação de escutar a banda tocar os primeiros acordes de "Cidade Maravilhosa" decretando o fim da festa. Quem não se deu bem vai ter que aturar a ressaca do dia seguinte sem nem ao menos uma boa recordação para amenizá-la.

Como a animação suspensa ainda não é uma realidade, tem que encarar o fim da festa. Infelizmente, não dá para esconder a sujeira debaixo do tapete para revelá-la quando estiver confortavelmente instalado na oposição. O tapete acabou ficando pequeno. Os serviços públicos estão à beira do colapso e tudo o que resta é se equilibrar aos trancos e barrancos por mais um mísero mês. Tem evitado eventos públicos a qualquer custo. Até mesmo as reuniões com os secretários tem ficando escassas. Ainda bem. Apesar de se sentir um pouco solitário hoje em dia, eles só apareciam com problemas:

- Sr. governador, a Viação Pioneira entrou em greve. A empresa alega que só consegue pagar o salário dos funcionários se pagarmos a dívida que temos com ela por causa do período de campanha que o BRT ficou operando experimentalmente sem cobrar passagem.
- Não quero saber. O problema é seu.

- Sr. governador, o Hospital de Base suspendeu as cirurgias. Os médicos alegam que não tem antibiótico e gaze.
- Não quero saber. O problema é seu.

- Sr. governador, hoje não apareceu um plantonista no HRAN. A escala de fim se semana é feita com horas extras e a secretaria não paga horas extras desde setembro.
- Não quero saber. O problema é seu.

Outro dia estava aguardando o elevador para subir ao gabinete quando ouviu dois funcionários que não perceberam que ele estava por perto:

- Cara... Tô com uma fome...
- Não quero saber. O problema é seu.

Sentiu-se orgulhoso de saber que conseguiu implantar uma mudança cultural na gestão do GDF e que os servidores estão tão engajados que acabaram levando seu método para suas vidas pessoais.

Pra melhorar, os problemas também saíram do foco da mídia desde que parou de ler os jornais. Sempre funciona. Funcionou quando a PM fez operação tartaruga, funcionou quando o metrô entrou em greve, funcionou quando a Polícia Civil entrou em greve. Puxando assim da memória, quanta greve aconteceu durante os últimos 4 anos. Não entendia muito bem porque. Por mais que ele prometesse aumento, parecia que os funcionários destes serviços nunca estavam satisfeitos. Só porque ele nem sempre cumpria o acordado, no ano seguinte tinha mais greve e ele tinha que prometer ainda mais aumento. Ainda bem que sempre deixava as categorias meses a fio em greve só para mostrar que ele só negocia na hora e nos termos que ele quer.

Está cansado. Sente-se injustiçado. Tudo o que lhe resta é torcer para que o caos se instale nos próximos 4 anos. Se a população sofrer bastante, vai lhe reconduzir de forma triunfal ao Buriti. Ainda há muito o que fazer para deixar a marca da gestão Agnelo no GDF. Quer ser igual ao Roriz. Criar uma dinastia e se tornar imbatível.

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