The purple bag...

A bolsa roxa estava ao lado da jovem garota que se sentava sozinha no sofá do restaurante, de costas para a janela. Era uma bolsa de ginástica. Instantaneamente associei à sua figura a imagem de uma personal trainer que, depois do trabalho na academia, vai almoçar num restaurante ao se lembrar do vazio que cabe na geladeira dos solteiros. Sentara-se sozinha à mesa. O que a tornava um pouco incomum é que o restaurante, apesar de possuir um único prato - bife com batatas fritas - parecia sofisticado demais para uma pessoa desacompanhada. Geralmente, o restaurante a quilo é o destino daqueles que só têm a si próprios como companhia. Não parecia esperar por alguém. Antes dela, um casal bem jovem estivera ocupando a mesa. Tão jovens que mal pareciam ter terminado o segundo grau. Ela possuía uma beleza discreta que os pesados óculos de aros grossos acrescentavam um charmoso ar intelectual. Lembrava a Velma do Scooby Doo. Ele parecia ainda mais novo do que ela, naquela fase em que os meninos ainda são desajeitados apesar de terem idade suficiente para tirar a carteira de motoristas. A personal havia chegado depois de nós e pedido imediatamente. Admirei esse descolamento. Observei-a discretamente tentando decifrá-la. O cabelo alisado e a pele morena me remetiam à uma colega de colégio de um quarto de século atrás, atraente sem ser exatamente bonita. Ao menos não aquela beleza clássica que esperamos encontrar fazendo sucesso na TV. Àquela altura, os adultos de nossa mesa se distraiam riscando a toalha de papel com o gizes de cor que o garçom havia dado às crianças. Elas brincavam com coisas mais interessantes. Não desgrudavam de seus iPads. Tinham sido um ótimo investimento. Permitiam que os almoços de domingo transcorressem com tranquilidade, sem aquela corrida de obstáculos que se transformam os momentos que o prazo de validade das crianças expira e a conta tem que ser pedida às pressas, antes que as mesas vizinhas fiquem escandalizadas demais a ponto de chamar o conselho tutelar para proteger os pais dos maus tratos dos filhos. Pode criticar. Eu mesmo tinha um monte de "meu filho nunca..." que logo se transformaram em "toma logo, meu filho" quando me tornei pai. Rabisquei nossos restaurantes preferidos com a letra caprichada, redondinha como a de uma professora do primário:
  • Limoncelo;
  • Fred;
  • L'Entrecôte de Paris;
  • Dona Lenha;
  • Mangai;
  • Servus.

Meu deus. Quanta grana estamos gastando comendo fora nos fins de semana? O garçom se ofereceu para abrir a última long neck do balde de gelo. O problema do balde de gelo é que o copo está sempre cheio até que se percebe que o limite alcoólico foi ultrapassado. Recusei e pedi a conta.

- Serviço de manobrista?

Morar em Brasília não é tão bom quanto morar na Quadra 402 Sul de Brasília. Uma caminhada coloca ao alcance praticamente tudo o que preciso do no dia a dia. O trabalho, o colégio das crianças, o banco, o supermercado. Às vezes as compras excedem o limite do que se consegue carregar nas mãos e os braços ficam marcados e roxos das sacolas plásticas que, de tão vagabundas, chegam em casa imprestáveis para serem usadas lixeira da pia da cozinha. Nessas horas, já no meio do caminho entre o supermercado e os pilotis do bloco, fico me perguntando por que não ignorei o aviso que proíbe que os carrinhos sejam levados para os blocos. Às vezes ignoro e pego um emprestado. Ao alcance de uma viagem de bicicleta - com as crianças - há uns 30 restaurantes diferentes. Ironicamente, o carro se tornou um bem supérfluo numa cidade deliberadamente planejada para ser hostil às pessoas, "carrocêntrica".

- Não.

A personal continuava a ocupar meus pensamentos e eu passei a rabiscar meus pensamentos em inglês, como às vezes faço não sei explicar muito bem o porquê:

"The purple bag was on the couch next to her. What was unusual with the scene was that the restaurant wasn't the one you expect to see a girl like her sitting alone".

A frase chamou a atenção de Wandréa que a leu em voz alta. Fiquei com receio que a moça percebesse que estávamos falando a seu respeito mas os pensamentos em que ela estava imersa não parecia nos contemplar até juntarmos as crianças e partirmos para o domingo frio e úmido que nos aguardava do lado de fora.

Postar um comentário

0 Comentários