Da existência das coisas

Se você reclama do voto obrigatório é porque está se eximindo de participar das reuniões de seu condomínio. É quando meia dúzia de gatos pingados resolvem questões que afetam a vida - e com frequência o bolso - de todo o mundo, inclusive daqueles que seriam os menos qualificados para reclamar por terem optado por ficar de fora mas que, na prática, são justamente os que mais reclamam das decisões tomadas.

Até que as assembleias do Bloco do Queijo são tranquilas, principalmente se comparadas com as do Pena Ágata. Lá sim as assembleias eram emocionantes. Os condôminos praticamente colocavam as armas de fogo em cima da mesa e as reuniões, por vezes, começavam na portaria do prédio e terminavam na delegacia do bairro. Me sentia como se estivesse no meio do fogo cruzado de uma disputa de facções pelo comando do morro ou, nas raras vezes em que a situação ficava um pouco mais tranquila, numa sessão do parlamento sul coreano. No Bloco do Queijo os adultos demonstram um pouco mais de maturidade e, até agora, as divergências foram todas resolvidas no voto, dispensando-se as agressões físicas e verbais.

Talvez seja a influência de nossa octogenária síndica, Dona Hilda, patrimônio inalienável do condomínio do Bloco do Queijo. É ela que, apesar da aparência de vovó boazinha, comanda as finanças do prédio com uma mão de ferro que o síndico do prédio onde ela própria mora parece não exercer. Pode parecer estranho mas Dona Hilda mora na nossa quadra mas não no nosso bloco. Sua gestão, porém, é tão unânime - coisa tão rara num síndico - que todos fazem questão de reelegê-la por aclamação eleição após eleição, mesmo depois que ela trocou seu apartamento no Bloco do Queijo por um no Bloco I.

A pauta da assembleia era individualização dos hidrômetros. Claramente alguém mudou de ideia no período entre a convocação e a realização da assembleia. O engenheiro de uma firma chegou a aparecer para tirar dúvidas sobre a obra mas tão logo se retirou, a mesa encaminhou a discussão por outros caminhos. A prioridade deixou de ser hidráulica para se tornar elétrica. O quadro de luz, original de fábrica, modelo 1976, está dando seus últimos suspiros. Volta e meia um fusível queima e eles, obsoletos que são, já não mais existem no mercado. Por enquanto o estoque do Seu Tião está dando conta mas em breve há de acabar. Sem água a gente até vive mas sem wi-fi... Vamos trocar o quadro de luz e nos empenharmos em reduzir o consumo de água através de um trabalho de conscientização com os demais condôminos. Sei. Eu, que não consigo nem conscientizar as crianças de casa a desligar a luz quando saem do quarto, duvido que tenhamos algum resultado positivo na iniciativa. Conscientização só funciona de verdade quando dói no bolso. Quando um problema é de todos, a verdade é que o problema não é mais de ninguém. Imagina se alguém há de querer trocar a redução do valor da conta de água, dividido entre 24 unidades, por uma obra no seu próprio banheiro para trocar a válvula da descarga por uma caixa acoplada. Quem vai trocar um problema que afeta a todos (ninguém) por um problema exclusivamente seu? Boa sorte.

Estamos em plena crise hídrica em Brasília. Nunca na breve história do Distrito Federal tivemos racionamento no fornecimento de água. Em plena temporada de chuvas a CAESB já faz rodízio entre as regiões do DF. Daqui a poucas semanas as chuvas acabarão e os reservatórios estão somente pela metade. Por 5 meses eles só farão se esvaziar. Parece-me, portanto, que seria de interesse de todos que pudéssemos captar e utilizar a água da chuva para usos menos nobres. Por exemplo, por que usar água potável nas descargas? Semana passada mesmo, li numa reportagem que Hong Kong estava economizando milhões de litros de água potável por ano usando água do mar nas descargas. Nosso prédio possui um cisterna de 40.000 litros de água captadas da chuva que são usados exclusivamente para lavar carros, a portaria e para regar as plantas do jardim. Por que não ampliar esse uso para poupar ainda mais água? 

Antes de sair, sonhando com um serviço de R$ 70.000,00 que nesta recessão viria bem a calhar, o engenheiro nos explicou que certa vez tentou aprovar um projeto com essa proposta junto à CAESB. Acontece que as exigências são tantas que o custo do projeto acabou se tornando proibitivo. Entre elementos filtrantes e insumos químicos, o custo da água pluvial acabou se tornando 50% mais cara do que o da fornecida pela concessionária. Ou seja, apesar de existir a possibilidade, a possibilidade existe com a finalidade de existir e não de ser realmente colocada em prática. Parece até as ciclovias de Brasília que existem com a finalidade de adicionar quilômetros à malha cicloviária da cidade, não de prover segurança ou conforto aos ciclistas.

Vejo exemplos semelhantes com tanta frequência que fico me questionando se essa é a nossa maneira de fazer as coisas ou se em todo o lugar é assim. Há algum tempo atrás fui finalmente visitar a Torre de TV Digital em Brasília, último "presente" de Oscar Niemeyer à cidade. Percorri 20km de casa até o final da Subida do Colorado, região tão distante do centro de Brasília que se tornou um dos polos de motéis da cidade. Como Niemeyer era o mestre da existência não funcional das coisas, há somente um elevador com capacidade bastante reduzida para acessar o mirante, gerando fila apesar dos poucos visitantes. Chegando lá em cima, o segurança nos informa que temos 5 minutos para admirarmos a vista. É o tempo entre as viagens do elevador e o mirante é necessariamente esvaziado em cada uma delas, a despeito de haver espaço suficiente para abrigar mais visitantes.

- Você pode descer, entrar na fila e subir novamente.

Essa é a alternativa que me dão quando protesto que 5 minutos é um tempo ridiculamente pequeno para quem gastou meia hora de carro até lá e não será assim que a Torre de TV Digital se tornará uma atração turística que faça jus aos milhões a mais que uma obra com a grife Niemeyer custou aos cofres públicos. Mas o mirante da Torre de TV digital também não foi feito para ser usado. Foi feito somente para existir.

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