O prego



Havia tempos que o quadro estava no chão, encostado na parede, aguardando uma providência que, no caso, era ser pendurado por Márcio. De vez em quando, Andréa lhe cobrava uma atitude, ao que ele retrucava:

- Já disse que vou fazer, não precisa ficar me lembrando a cada 6 meses.

Hoje ele percebeu que não haveria escapatória: além do quadro em seu lugar já tão tradicional que os moradores da casa percebiam como lhe sendo natural, havia um martelo e um pote de vidro, daqueles de maionese, cheios de pregos de todos os tamanhos, que Márcio comprava apenas como símbolo de identidade masculina pois entravam muito mais pregos no pote do que dele saíam.

Em frente ao pequeno cenário, como uma diretora, Andréa se sentava dando mostras que dali não sairia enquanto a tarefa não fosse concluída. Na verdade, o quadro estava já há tanto tempo encostado na parede que Andréa já enjoara dele. Também não tinha mais certeza se queria aquele quadro naquela parede. O que ela tinha certeza, porém, é que queria resolver de uma vez por todas aquela raiva que sentia sempre que passava pelo corredor e o quadro a encarava com um olhar de deboche.

Márcio passou pela cena a caminho da cozinha, fingindo ignorá-la. Seu olhar cruzou com o de Andréa e ele não conseguiu conter um sorriso cínico, algo que lhe acontecia involuntariamente, desde criança, quando sabia estar errado.

- Paixão... é hoje que vamos pendurar o quadro?

A resposta de Andréa foi um silêncio ensurdecedor. Márcio sabia que aquele martelo não daria conta de pregar o prego na parede. Não herdara habilidade do pai para a bricolagem, mas nele ainda havia um pouco de orgulho masculino. O prédio em que moravam era dos primeiros anos de Brasília. Tinha sido construído em concreto estrutural. Uma vez tentara usar sua furadeira hobby, daquelas verdinhas, nas paredes do apartamento e ela não fizera nem cosquinha, não conseguira sequer ir além da camada de tinta. O quadro não estava ali, encostado na parede, totalmente por falta de iniciativa de Márcio. Quase. Havia também o componente da falta de coragem.

Falta de coragem por falta de coragem, decidiu que era melhor encarar a parede do que encarar Andréa. Pelo menos com a parede, havia a possibilidade de um enfrentamento breve.

- Vou pegar a furadeira emprestada com o Tião.

Ele se lembrava que o zelador do condomínio havia mencionado, há algum tempo, ter uma furadeira que fazia furos naquelas paredes como se fossem feitas de manteiga. Márcio não sabia usar furadeiras a laser. Espera que aquela mágica fosse operada com brocas mesmo.

Subiu a escadinha com lápis atrás da orelha para marcar o novo local do quadro;

- Aqui?

- Mais para a direita... um pouquinho mais para cima... não... volta... assim... só um pouquinho mais para baixo. Assim tá bom.

A furadeira fez aquele barulho característico de incomodar vizinho. Minutos depois, o impasse de meses estava resolvido.

- Amor. O que você acha de colocar uns quadros atrás do sofá?

Postar um comentário

0 Comentários