Sabe aquela história que um médico não tem isenção emocional suficiente para tratar do próprio filho? Cheguei à conclusão que o mesmo se aplica à paternidade. Não tenho isenção emocional suficiente para criar meu próprio filho. Ao menos quando se trata de impor limites, exerço um papel melhor como padrasto do que como pai. Talvez seja um bom indicativo que os índios estão certos ao criarem seus filhos coletivamente.
Somos muito mais rígidos julgando os filhos dos outros do que os nossos. Os filhos dos outros falam alto, incomodam, comem mal e não tem limites. Os nossos, só de vez em quando. Se uma pessoa não tem filhos, aí que a rigidez se torna ainda maior. Me lembro de jurar de pé junto que nunca levaria meu filho para um restaurante pois não via possibilidade de alguém se divertir nesta situação, nem pais, nem filhos, nem vizinhos de mesa, nem garçons. Depois que meu filho nasceu, quer saber? Dá-se um iPad para cada um - outra coisa que você jura que nunca vai fazer mas, quando finalmente decide se render, descobre que é um dos melhores investimentos que se pode fazer - e fica todo o mundo satisfeito.
Dizer não é o principal papel de um pai. Não vai comer porcaria antes do almoço, não vai ficar acordado até tarde, não pode faltar a aula de natação, não vai ficar trancado dentro de casa num dia de sol, não vai ficar na frente do computador o dia todo, não vai deixar o dever para amanhã, não vai para a cama sem tomar banho, não vai sair sem casaco, não vai fazer birra na frente de todo o mundo, não, não, não. Não! Já disse que não! Você tem que ser o cara chato que só diz não.
Fazer é sempre mais difícil. Se não fosse assim, não haveria sequer um psicólogo no mundo em depressão, infeliz com o seu casamento ou em conflito com os filhos. É a tal falta de isenção emocional atuando. Mesmo que a resposta esteja bem na frente, que tenha refletido sobre ela milhares de vezes, a verdade é que, no pega pra capar, lidar com a frustração de um filho dói pra caralho.
O que pode doer mais do que, ainda que momentaneamente, a rejeição do próprio filho? Ainda que seja irrelevante. Um filho só não perdoa um pai caso ele não se sinta amado por ele. Impor limites é um sinal de preocupação. No futuro, ele ouvirá não muitas outras vezes. É melhor aprender com alguém que se importe com ele do que não ter a menor ideia de como lidar com o sentimento de frustração.
Algumas vezes sinto que recompensei o mal comportamento. Nessas ocasiões, gostaria de ter sido mais firme, de não ter me omitido, não ter deixado para lá. Deixar para lá nunca é uma boa opção. O aborrecimento deve ser à vista. Aborrecimento à prazo, daqueles que cada dia você soma uma parcela de aborrecimento, é que nem dívida no cartão de crédito. Mais dia, menos dia, você percebe o custo da operação e acaba se arrependendo de não ter pago quando teve a oportunidade.
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