A revolução do Uber

Imagem: Jeenah Moon/Bloomberg


A ilusão que o Uber viria para revolucionar o transporte público individual de passageiros com a adoção de tarifas racionais e bons serviços aos passageiros se concretizou apenas de forma parcial. Também trouxe questões que deveriam nos fazer questionar se socialmente vale a pena o modelo de negócio que a empresa implantou.

Se por um lado é inegável que ele veio a universalizar o acesso a este tipo de serviço, antes regido por cartéis de taxistas que se assemelhavam às guildas pré-capitalistas, por outro a introdução de uma lógica puramente capitalista a este tipo de transporte trouxe consigo todas as contradições inerentes a este tipo de sistema econômico: barateamento dos serviços às custas da exploração dos trabalhadores e na oferta de serviços com qualidade limitada ao mínimo suficiente para atender aos consumidores.

Quando o Uber começou a operar no Brasil, o seu diferencial era o bom tratamento que era dispensando aos passageiros em oposição ao praticado pelos taxistas, acostumados a atuarem no mercado sem qualquer tipo de concorrência e com um nível de “sindicalização” que, na prática, tornava a categoria forte o suficiente para impedir qualquer tipo de regulação do poder público em favor dos usuários. Havia uma percepção da classe política que não era interessante comprar briga com os taxistas na medida em que eles seriam capazes de desequilibrar eleições, não tanto pelo número em si, relativamente pequeno em virtude do interesse dos próprios motoristas em mantê-lo baixo com o intuito de evitar a divisão do mercado com um número maior de concorrentes, mas principalmente pela propaganda negativa que eles são capazes de fazer no boca a boca com o grande número de passageiros com os quais mantêm contato devido à natureza própria de seu trabalho.

Com isso, proliferavam práticas despidas de qualquer lógica racional e que visavam somente a aumentar o custo das corridas com base no puro papo furado: bandeira 2 pro aeroporto e adicional por volume, apenas para ficar em alguns deles. Cobrava-se por coisas que eram inerentes ao serviço em si.

É inegável o impacto positivo que a entrada do Uber teve neste mercado. Rapidamente, as extravagâncias que só eram possíveis devido à natureza cartelizada extinguiram-se. Os preços do serviço se estabilizaram e os taxistas passaram a tratar seus passageiros mais como usuários de serviços que são do que incômodos a serem explorados que eram. Todavia, nem tudo são flores neste processo.

O Uber é uma empresa cujo objetivo, como o de todas as empresas e ao contrário do que pregam os neoliberais e outros defensores do livre mercado, é se estabelecer como monopolista no mercado para, então, explorá-lo sem os inconvenientes que a concorrência acarreta. Com este intuito, o Uber pratica preços que não cobrem sequer seus custos, gerando prejuízos bilionários que só se sustentam devido à injeção de capital de investidores que, em acordo com a era do capital improdiutivo, não se importam com os resultados financeiros de empresas que comercializam sonhos ao invés de mercadorias. Uma espécie de bolha da internet 2.0. Já vimos este filme e podemos adiantar que ele não tem final feliz.

Neste sentido, a empresa mantém as tarifas baixas – o que também significa ganhos baixos para seus motoristas. No afã de monopolizar o mercado de transporte individual de passageiros, o Uber não apenas precariza seus trabalhadores como também subverte a legislação trabalhista, negando vínculo empregatício com eles. Não importa o quanto tente negar a realidade e o quanto de apoio ela consiga angariar junto aos consumidores para os quais a única coisa que importa é pagar barato, não importa o grau de exploração e as consequências a longo prazo: o fato é que um dia esses trabalhadores terão sua vida produtiva esgotada e, não tendo contribuído um único centavo em previdência social pelo período em que transportavam passageiros para a empresa, essa conta será empurrada para a sociedade como um todo pois é irreal imaginar que numa sociedade minimamente civilizada, é legítimo deixar na penúria quem não tem nem mais idade para trabalhar nem uma fonte de renda advinda de algum sistema de previdência social. Como geralmente ocorre no Capitalismo moderno, o importante é privatizar o lucro e socializar os custos.

Além da precarização na qual ela lança seus trabalhadores, temos que considerar o quanto ela precariza os motoristas de táxi que, no mínimo, não conseguem realizar a mesma carga de trabalho de antes. Se há algo que a história nos ensina é que a não ser que haja algum tipo de intervenção regulatória no sentido contrário, a ocupação de taxista tende a desaparecer num curto espaço de tempo, transformando em preocupação social uma categoria que, a despeito de todos os poréns levantados anteriormente, tinha condições de sobreviver por conta própria gerando valor à sociedade, ainda que fossem necessários ajustes regulatórios.

Aqui não se trata de demonizar os motoristas de Uber. Há uma dificuldade muito grande por parte da sociedade em enxergá-los como realmente o são: trabalhadores como outros quaisquer, explorados pelo capital como todos os trabalhadores o são. Há um grande equívoco da parte da esquerda que ainda não se apercebeu que o trabalhador com o qual ela estava acostumada, o operariado industrial urbano sindicalizado simplesmente não existe mais. O trabalhador do presente, e cada vez mais presente numa economia que parece fadada a um crescimento insuficiente sequer para dar conta do crescimento vegetativo da população, é o trabalhador atuando na economia dos bicos, trabalhadores informais que só dão conta de uma existência digna com cargas de trabalho cada vez mais extenuantes.

Por fim, há o lado dos usuários que serão obrigados a conviver, sem alternativas, a serviços cada vez mais precários. Qualquer um que tenha pego um Uber nos últimos tempos pode constatar que essa história de balinha e mordomia ficou no passado. Os motoristas, para contornar os ganhos cada vez mais escassos são obrigados a serem cada vez mais criativos para cortar qualquer gasto que não o estritamente necessário. Cada vez mais é possível identificar carros alugados no sistema como forma de empurrar os custos de manutenção às locadoras o que, por si só, já demonstra a inviabilidade econômica do sistema. Se você não mora em Belo Horizonte, é provável que seu Uber com placa de Belo Horizonte se encaixe nesta situação.

Atualmente, a avaliação de 5 estrelas reflete apenas que motorista deixou o passageiro no lugar desejado sem sobressaltos e que esse, por sua vez, espera uma avaliação semelhante em contrapartida. No mais, pode ter certeza: se tem um carro com os vidros abertos no trânsito de uma grande cidade, há uma grande chance de ser um Uber economizando combustível no ar condicionado para que os diretores da empresa mantenham seus bônus que refletem não o desempenho econômico da empresa como seria de se esperar, mas o quanto eles conseguem subverter o sistema de forma a ferrar a tudo e a todos.

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