Não havia muito tempo que o som do canto do passarinho se fazia ouvir tão logo o dia raiava. 5 horas da manhã, agora que não tem mais horário de verão, e lá estava o dito cujo fazendo as vezes de galo decretando que por ele, já tinha dado, já estava na hora dos vizinhos acordarem.
A princípio, urbanos que eram, ninguém sabia que pássaro era aquele. Não era incomum observar os moradores embaixo do prédio, olhando para cima, procurando pela razão de sua insônia. Um deles chegou a gravar o canto do pássaro para mostrar a um amigo seu, biólogo, que decretou: era o canto do sabiá à procura de uma fêmea para procriar.
Infelizmente para os moradores, e mais ainda para o Sabiá, parece que as sabioas estão em falta no mercado. Ou era isso ou, então, a árvore que ele escolheu para morar, por mais frondosa que fosse, não estava localizada na melhor das vizinhanças para os propósitos do sabiá. De tanto praticar, estava claro que o Sabiá sabia assobiar. Se da prática vem a perfeição, o Sabiá havia se tornado praticamente um Pavarotti do mundo ornitológico. Entretanto, apesar de tanto treino, o sabiá continuava solteirão. Encalhado. Pro titio. Era o sabiá virgem.
Não se sabe muito bem se compadecidos da situação do sabiá ou se saudosos do tempo que podiam acordar tarde aos domingos, os moradores se mobilizaram para dar um fim ao desespero do passarinho. Um deles cogitou ressuscitar a espingarda de chumbinho com que, na infância, liquidara com um tiro certeiro o bem-te-vi que ficava se alimentando do apiário da fazenda. Acabou deixando a ideia de lado não só porque não era mais uma solução aceitável, eis que politicamente incorreta, como também pela lembrança do remorso que sentira quando, ao notar o pobrezinho despencando inanimado do alto da árvore, percebera que acertara o improvável tiro. O trauma havia sido tão grande que, quando fizera primeira comunhão, ao achar que o padre o consideraria soberbo se lho dissesse que após vasculhar a mente em busca de seus pecados não encontrara nenhum, resolveu confessar o assassinato do bem-te-vi como se pecado mortal fosse.
Descartado o sabiácídio, os vizinhos passaram a maquinar uma solução para a agonia do Sabiá. Alguém veio com a brilhante ideia: "e se a gente capturasse uma sabiá fêmea em outra quadra e a trouxesse para cá?". Bem... havia precedentes, concluíram. Não seria o Rapto das Sabinas mas o Rapto da Sabioa. Se isso trouxesse as manhãs preguicentas de domingo de volta à quadra, por que não? Que sabioa não se renderia à corte de tão garboso sabiá, cantor de tanto talento?
Aceita a ideia, lá se foram os vizinhos, munidos de redes e puçás, acompanhados pelo amigo biólogo para evitar que capturassem a passarinha errada, espreitar as redondezas em busca de uma esposa para nosso amigo o Sabiá. Não tardou muito para que encontrassem uma candidata que lhes pareceu se encaixar nos moldes. Com a aprovação do biólogo, capturaram a futura esposa do Sabiá da Quadra e a acomodaram numa gaiola tomando cuidado para não serem flagrados por nenhum fiscal do Ibama que tráfico de animais silvestres ainda é crime inafiançável.
Solta na natureza, a sabioa, mesmo que por falta de opção, rendeu-se aos encantos do nosso amigo cantor. Todos ficaram felizes. As manhãs de domingo voltaram a ser preguicentas, dedicadas ao ócio. Não tardou para os sabiás constituírem família. Com ela vieram os filhos. 3 lindos sabiazinhos. Meninos. Que logo se tornaram adolescentes, cantando com o mesmo talento do pai em busca de companhia. Para a insônia dos vizinhos.
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