Estava na bike quando pensei ter visto um vulto branco correndo por
debaixo do carro que vinha no sentido contrário da rotatória. Temos que
convir que se trata de uma cena no mínimo inesperada e, então, o susto
deu lugar à dúvida. Será que eu realmente vi um gatinho ou era apenas a
matriz reconfigurando sua programação.
O trânsito estava tão lento como costuma estar neste horário.
Alcancei o carro e olhei, meio agoniado, imaginando me deparar com o
asfalto tingido de vermelho. Nada. Nem sinal do gato. O gato morreu. Mas
então ouvi o miado. Pareceu vir do carro preto, não do carro cor de
cereja. Me ajoelhei no asfalto e nenhum bichano à vista. Novamente o
miado e desta vez tive certeza que vinha do carro cereja.
Olhei por debaixo dele, um carro com amassados distribuídos
uniformemente até perder de vista e, desta vez, tinha gato, um ser
filhote de pelo branco, olhos azuis, cara de pânico e que se equilibrava
sobre o eixo traseiro. No banco de trás havia um menino de uniforme
escolar de escola pública e, ao volante, uma senhora de parentesco
indefinido. Avisei:
— Moça. Tem um gato debaixo do seu carro.
Brasília ainda é uma cidade tranquila porque a mulher prontamente
ligou o pisca-alerta, encostou o carro e veio ao meu encontro. Fosse no
Rio, o resultado mais provável de uma abordagem de um sujeito
desconhecido que se equilibra em 2 rodas a uma mulher no engarrafamento
seria, no mínimo, uma expressão de pânico.
Fiz som de chamar gato mas o bichano me olhou com a expressão que
faltara à mulher e se enfiou ainda mais na lataria, entre as dobras da
manta que remendava o fundo do carro. E dali não saiu mais.
Novamente me veio uma certa dúvida sobre a veracidade dos fatos. Me
lembrei de Jonh Nash mas aí me lembrei que não tenho uma mente
brilhante. Senti a impaciência da mulher que tinha hora para deixar o
menino no colégio. E aí senti um certo egoísmo começar a despontar. Se o
gato aparecer eu não posso simplesmente tirá-lo de debaixo do carro
para largá-lo na vida. Vou ter que perder o trabalho, levá-lo ao
veterinário e abrigá-lo em casa, até que alguém se disponha a adotá-lo
ou até que ele conquiste corações e se torne membro da família.
— Achou?
— Não. Ele se escondeu.
— Moço… tenho que deixar o menino na escola… eu vou devagarzinho… quando chegar em casa dou comida para ele sair daí…
Entrou no carro e partiu. Cada um seguiu sua vida. Espero que o gato siga com a dele.
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