Agora que o Paulo Guedes foi tigrão com os servidores públicos, gerando choro e ranger de dentes à direita e à esquerda, podemos deixar a hipocrisia de lado e mandar a real no que realmente ocorreu. Não é que os servidores públicos tenham ficado incomodados por terem sido chamados de parasitas. A verdade é que o incômodo foi causado quando eles se viram incluídos numa categoria generalizante que eles nunca se imaginaram: a de de servidor público. Explico:
O conceito de funcionalismo público é uma abstração que esconde na generalização a diversidade da categoria. Guardadas as devidas proporções, é o mesmo que acontece quando se coloca denominações religiosas tão diversas entre si sob o rótulo de “evangélicos”. Tal como acontece com os “evangélicos”, a categoria “servidor público” não é homogênea.
Pode-se constatar o fato ao se analisar quem representa os seu interesses. Até existe o Sindsep, em tese o Sindicato dos Servidores Públicos, mas uma parte considerável dos empregados no executivo possui sindicatos próprios. Assim, os auditores da Receita Federal negociam seus acordos salariais através do Sindfisco. A polícia federal tem um sindicato para delegados, outro para os agentes, concorrendo entre si na disputa pelos cada vez mais escassos recursos. Não há uma classe de servidores públicos, muito menos uma consciência de classe que motive os empregados do executivo a saírem em defesa da categoria com um todo. Muito pelo contrário, cada vitória salarial de uma categoria que não a própria desencadeia uma torrente de revolta e ciúmes. O prestígio de uma categoria é visto como o desprestígio da própria categoria. Foi acompanhando as assembleias das campanhas salariais que percebi o quanto a felicidade é relativa: uma categoria fica mais satisfeita ao ganhar um aumento de X se esse aumento for o mesmo que o da categoria com a qual ela se compara do que ganhar 2X se a outra categoria ganhar 3X.
A maioria dos servidores públicos que está reclamando não está incomodada com o fato do Guedes ter chamado os servidores públicos de parasita. Está incomodada por ter sido incluída na categoria. Todo o mundo se via acima desta generalização, se achava especial e possuía um motivo particular para apoiar um governo que, desde sempre, se declarava hostil aos interesses do funcionalismo público: os policiais federais porque esse é um governo policial. Os servidores da receita porque eles têm a chave do cofre e conseguem chantagear qualquer governo que esteja no poder. Os servidores do Banco Central porque vislumbram na autonomia da instituição uma forma de auferir vantagens pessoais. Se o Guedes tivesse dito: os servidores públicos exceto a categoria X são parasistas, estava todo o mundo da categoria X feliz da vida, batendo palmas e se sentindo mega prestigiado. O choque é muito mais porque ao serem incluídos na generalização, os servidores perceberam que não, a sua categoria não é tão especial para o governo quanto eles achavam que ela e somente ela seria.
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