Bolsonaro vai se tornando supérfluo



A cada dia, vai se tornando mais evidente que a capacidade de liderança não é o forte de Bolsonaro. Em meio à pandemia, todos os seus passos foram no sentido não de lidar com a emergência, mas muito pelo contrário, de criar situações que dificultam seu enfrentamento. Meu avô dizia - e ao contrário do Rei Lear ele se tornou sábio antes de se tornar velho, algo que não se observa com muita frequência hoje em dia dada a quantidade de velhos em manifestações pedindo o fechamento do Congresso e do STF - "muito ajuda quem não atrapalha". Ou, falando de modo menos sutil já que a sutileza não combina com o personagem, como definiu o antigo aliado Major Olimpio: "se não quer ajudar a carregar o caixão, sai de cima, não faz peso".

O problema é que está atrapalhando - e muito. "Tá indo em cima e ainda fica pulando em cima. Para arrebentar as mãos de quem está carregando". A quantidade de energia que se empenha confrontando não o vírus mas os arroubos erráticos do presidente é uma enormidade. Se estivéssemos focados nos preparativos para o colapso do sistema de saúde que fatalmente virá, poderíamos usar a experiência dos países que vivenciaram a epidemia antes de nós para atuarmos com maior eficiência. Já temos uma boa ideia do que funciona e do que não funciona no combate ao covid-19. O tempo que "compramos" pelo fato do coronavírus ter chegado no Brasil mais tarde, jogamos fora em polêmicas que, a bem da verdade, nem polêmicas são. São apenas perda de tempo.

Não deixa de ser curioso o fato que, após ficar anos a fio criando um inimigo externo imaginário, o Bolsonarismo tenha falhado miseravelmente em aproveitar um inimigo externo real em seu favor. Da direita à esquerda, a popularidade dos líderes mundiais cresce, como costuma acontecer nos momentos de ameaças nacionais, em que a própria existência da sociedade como ela se entende está em jogo. Basta que a população sinta, em seu líder, a capacidade de liderar. Isto não ocorre no Brasil. Bolsonaro é, provavelmente, o único líder mundial que vê sua popularidade em queda em meio à pandemia. Sua incapacidade de liderança fica ainda mais evidente quando passa a ser ostensivamente excluído das reuniões de cúpula entre os poderes da República que ele preside. Ou quando os estados passam a articular ações de combate à pandemia entre si, dispensando aquele que, por definição, deveria estar a frente da tarefa. Pouco a pouco Bolsonaro vai se mostrando supérfluo e, em momentos de crise, o supérfluo é o que se corta primeiro.

Não será por agora, entretanto. É preciso, em primeiro lugar encerrar a crise sanitária e as consequências sociais que dela advirão. Porém, dados os sinais que já estão sendo captados aqui e ali e a previsível perda de apoio popular que há de vir quando o cálculo que Bolsonaro fez contrariando todas as recomendações de órgãos de saúde e governos mundo afora for cobrado, é possível prever que este governo não dura mais de 6 meses de condições normais de temperatura e pressão. Politicamente, quanto mais tempo os efeitos da pandemia forem sentidos, tanto melhor para Bolsonaro e sua família.

Causa espanto que Bolsonaro, tão sagaz em capturar para si a tendência anti sistêmica que começou com as jornadas de junho de 2013 e atingiu seu ápice com sua própria eleição tenha deixado passar batida esta oportunidade. Não era difícil prever que epidemia, ainda que tivesse ficado restrita a seu próprio país de origem, teria como consequência tornar por si só o ano de 2020 economicamente perdido. A China é a nossa maior parceira comercial, maior compradora de nossas exportações - basicamente, commodities in natura como soja, minério de ferro e petróleo. Somente os vendedores de terrenos na Lua, como Paulo Guedes, e os otimistas inveterados acreditavam num pibão maior do que 2%. Qualquer resultado acima de 0 já seria excepcional.

O coronavírus seria o bode expiatório perfeito para que o governo sacasse um pacote de bondades, espalhasse tendas do exército a torto e a direito para atender à população e fazer relações públicas. Reeleições garantidas. Não haveria inimigo melhor: ameaçador mas que fatalmente será derrotado. E principalmente, um inimigo real. Talvez aí resida o problema: acostumados a fabricar ameaças imaginárias e sedutoras, o Bolsonarismo tem extrema dificuldade de lidar com a materialidade, com o mundo real. Enquanto o inimigo era o PT e a combalida esquerda, não havia muito problema permanecer imerso em seu mundo de fantasias. Agora, porém, há uma ameaça real, que não vai se resolver apenas na base da retórica. Não basta criar uma teoria da conspiração. Não basta apenas imaginar que a cloroquina vai resolver magicamente a situação porque é um tanto provável que assim como a "pílula do câncer" mais tarde ela possa se mostrar um engodo. Curiosamente a liberação da utilização da fosfoetanolamina sem aprovação da vigilância sanitária foi um dos seus únicos 2 projetos aprovados em sua longa e improdutiva carreira parlamentar.

Apresentar-se à teleconferência dos líderes do G-20 com uma caixa de hidroxicloroquina e nela colocar todas as fichas não só de sua presidência como também da vida da população brasileira é uma jogada arriscada e uma prova do quanto o Bolsonarismo é um movimento que se baseia nos desejos e se apoia no imaginário de seus seguidores. Também é curioso que eles, tão rápidos em contabilizar as mortes atribuídas aos "crimes do comunismo", não tenham qualquer pudor em colocar a vida de seus compatriotas em risco em nome de sua ideologia. O que "vamos voltar ao trabalho que a economia não pode parar, fica tranquilo que é super seguro, irmão" difere do "vai lá meu filho, resfria esse reator que pega nada não" dos vilões de séries e filmes que retratam os fracassos da URSS?

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