A morte da esperança


Não faz muito tempo que um vídeo sorteado pelos algoritmos do Twitter para aparecer na minha timeline me fez chorar. Tratava-se da última peça de propaganda do MEC no governo Dilma. Desde então, entrei numa dinâmica masoquista de ficar assistindo o vídeo repetidamente, sofrendo a cada execução.

É uma mistura de raiva, desespero e saudades o que sinto. Principalmente saudades. Saudades do tempo em que tínhamos um país e esse país caminhava para qualquer outro lugar que não fosse ao encontro de seu próprio passado, uma época que só é gloriosa na imaginação daqueles que ou não a viveram ou dela já se esqueceram.

Saudades do tempo que tínhamos instituições que, ainda que muitas vezes aos trancos e barrancos, trabalhavam na construção e não na destruição de suas finalidades. Saudades do tempo em que o Ministério do Meio Ambiente trabalhava na conservação dos biomas brasileiros e não para sabotar as fiscalizações do Ibama com a declarada intenção de potencializar ao máximo o dano ao meio ambiente, passar a boiada enquanto não tem ninguém prestando atenção por estarem distraídos com a pandemia do covid-19.

Saudades do tempo em que o MEC trabalhava para promover a educação e não para atacar as universidades federais, combatendo espantalhos que mal disfarçam sua intenção de destruí-las por nenhum outro motivo que não o ressentimento de quem se sente injustamente desprezado pela academia.

Saudades do tempo em que o Ministério da Saúde trabalhava para promover a saúde dos brasileiros e não para colocá-la em risco, sabotando as medidas de isolamento social que um dia governadores e prefeitos pareceram genuinamente empenhados em levar a sério. Ao invés de contribuir para com a única ação que poderia evitar o genocídio que se descortina regularmente à base de doses de 1.000 mortos por dia, o ministério prefere se comportar como um representante de laboratório que tenta convencer o doutor a prescrever um medicamento milagroso.

Saudades do tempo em que os ministérios operavam pelo viés positivo, executando políticas públicas, às vezes de forma bem sucedida outras vezes nem tanto, com a intenção de deixar um legado e, talvez o mais importante, embasando suas decisões em critérios técnicos. Ainda que por vezes fosse nítido que esses critérios estivessem sendo espremidos para justificar decisões duvidosas, ao menos fingia-se que a opinião pública era respeitada o suficiente para merecer uma satisfação. Hoje caga-se solenemente para ela.

Esse tempo é o passado. As instituições ocupadas pelo bolsonarismo operam hoje apenas pelo viés negativo, procurando deixar pelo caminho um rastro de destruição nessa terra arrasada que há de se tornar o Estado Brasileiro. As demais, as que ainda resistem, operam exclusivamente na defensiva, na esperança de sobreviver tempo o suficiente para ver dias melhores.

Não existem mais ministérios. Não é exagero dizer que os prédios enfileirados na Esplanada dos Ministérios hoje abrigam anti ministérios, como se outra dimensão tivesse sido aberta e tivéssemos sido jogados no Mundo Bizarro do Super-Homem, em que tudo é a antítese do mundo real. A água não corre para cima nas cachoeiras e as árvores não têm as copas fincadas no solo, mas o ministério do meio ambiente combate o meio ambiente, o ministério da educação combate a educação pública, o ministério da saúde combate a saúde pública e o ministério da economia trabalha para que a economia tenha o mínimo crescimento possível.

Como a exceção que confirma a regra, existe um ministério que consegue deixar algum tipo de legado: o Ministério da Defesa. O problema é que ele deixa um legado não para o país, mas para os militares que ocupam as milhares de boquinhas da Esplanada que outrora eram destinadas ao Centrão. Para eles tem arrego na reforma da previdência, tem aumento salarial na forma de adicional de habilitação e já tem até liberação de vencimentos acima do teto constitucional sendo gestada com o diligente auxílio da AGU.

O que causa mais tristeza é que durante um bom tempo, imaginava-se que esse país tinha um rumo. Podia-se discordar da profundidade das mudanças, podia-se discordar da velocidade delas, mas não havia como discordar que haviam mudanças e que elas, de forma geral, nos faziam um país melhor. A ausência de algo é mais dolorosa quando ele já esteve ao alcance. Acho que é por isso que o vídeo causa tanto sofrimento em mim: ele trás uma mensagem de esperança e me causa a impressão de que um dia nos foi permitido ter a esperança que seríamos alguma merda. A esperança morreu. Agora estamos condenados a ser essa merda.

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